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Esse educador
teve um importante papel na educação de toda a antiguidade:
De Cícero
a nossos dias (Burnet, Barker, Drerup, Burk, G. Mathieu...) não faltaram, a
Isócrates, apologistas: outorgou-se-lhe, convictamente, o título de "Pai
do humanismo" - o que, na minha opinião, não deixa de ser excessivo, uma
vez que se pode desejar uma definição mais profunda e mais ampla de humanismo,
aplicável a algo menos acadêmico e menos escolar, a algo mais viril e mais
rigoroso que êste flácido aticismo, florido sem dúvida, mas um tanto enfezado.
Pelo menos, é certo - e eis aqui, já, um belo título de glória – que Isócrates
foi o mestre por excelência desta cultura oratória, desta educação literária
que vão impor-se, como caracteres dominantes, à tradição clássica, a despeito
da tensão dialética que gera, no seio desta mesma tradição, a presença
permanente da opção aberta pela crítica filosófica. De maneira geral, foi
Isócrates, e não Platão, o educador da Grécia do quarto século, e, em seguida,
do mundo helenístico e depois romano: de Isócrates saíram, "como de um
cavalo de Tróia", êstes numerosos pedagogos e êstes letrados, animados de
um nobre idealismo, êstes moralistas ingênuos, amantes de belas frases, disertos
e volúveis, aos quais a antigüidade clássica deve, em qualidades e em defeitos,
tôda a essência de sua tradição cultural. (p. 130-131)
Carreira profissional
Isócrates
foi, essencialmente, um professor de eloqüência: ensinou durante cêrca de
cinqüenta e cinco anos (393-338); antes de ingressar nessa carreira, havia
exercido, de 403/402 a 391/390, aproximadamente, o ofício de
"logógrafo", isto é, redator profissional de discursos judiciários;
a partir de 380, desempenhou essa função paralelamente à atividade de escritor,
de publicista, de homem Político. (p. 132)
Isócrates obteve sucesso, ascendendo
social e financeiramente:
Como os
pequenos Socráticos, é êle um educador profissional: abriu uma escola em Atenas
ou em sua circunjacência imediata, bem perto dêste ginásio do Liceu onde se
instalará Aristóteles, escola aberta ao público, desprovida do caráter de seita
hermética que distinguia a Academia; escola paga, onde, como entre os Sofistas,
se combinava o preço de um ciclo completo de estudos com a duração de três ou
quatro anos; e cuja taxa é de mil dracmas, tendo baixado os preços desde
Protágoras e sendo objeto de concorrência; o que não impediu Isócrates de fazer
fortuna, embora nisto fôsse êle favorecido, também, pelas dádivas munificentes
com que o cumularam certos discípulos seus, como Timóteo ou Nícocles; em 356
êle perdeu, irremissivelmente, um processo de "barganha de bens" - o
que indica que êle foi incluído, pelo tribunal, no número dos 1200 mais ricos
cidadãos de Atenas, aos quais incumbia, de acôrdo com a lei de Periandro, a
manutenção da trierarquía. Avalia-se, por isto, qual tenha sido o sucesso de
sua escola (atribui-se-Ihe uma centena de alunos), sucesso que, aliás, o
envaidecia: assim nos fala êle dêstes estudantes que, originários dos confins
do mundo grego - da Sicília ao Ponto Euxino -, arcando com grandes gastos e
passando por grandes tribulações, acorrem a Atenas para ouvir-lhe as lições.
(p. 135)
Seu
valor educativo
Sob êsse
aspecto, seu êxito foi ainda maior que o de Platão: à semelhança da Academia, e
até mais proficuamente do que esta, sua escola foi um centro de formação de
homens políticos. Para seus alunos, Isócrates foi um mestre, na mais plena
acepção da palavra. Não devemos imaginar sua escola como um vasto estabelecimento
abarrotado de ouvintes: pode-se fàcilmente calcular, que o número de alunos
presentes jamais ultrapassou o número máximo de nove e que se estabelecia, em
média, em tôrno de cinco a seis, três ou quatro dos quais em regime de
dedicação plena. Por aí se avalia a atmosfera de intimidade em que se estabeleciam
as relações entre mestre e estudantes. Isócrates soube aproveitar-se disto para
exercer, sôbre os discípulos, esta influência pessoal e profunda sem a qual
não há ação pedagógica real. Neste particular, logrou sair-se tão bem quanto
Platão na Academia: êle próprio nos conta que a vida em comum, dentro de sua
escola, apresentava a seus alunos tantos encantos, que êles encontravam, por
vêzes, dificuldade em desligarem-se dela, ao terminarem os estudos; Timóteo
ofereceu a Elêusis uma estátua de Isócrates, "para honrar não apenas sua
grande inteligência, mas também o encanto de sua amizade. (p. 140-1)
Isócrates adota uma postura
utilitarista, para ele o importante é fazer com que seus alunos alcancem o
almejado sucesso político:
Isócrates
podia, realmente, orgulhar-se de sua obra; uma vez chegado ao têrmo de sua
carreira, êle havia, em certo sentido, realizado seu sonho: ser o educador de
um nôvo corpo de políticos, dotar sua pátría ateniense das condições de que
carecia para consumar a difícil 'recuperação nacional que acalentava, desde o
revés de 404, na perspectiva de desempenhar o papel de grande potência, a que
não queria renunciar. (p. 141)
O
humanismo de Isócrates
Essa pedagogia traz as suas conseqüências:
Também
neste ponto temos a impressão de chegar ao limiar de uma época e de um mundo
nôvo: numa tão formal tomada de posição, já se exprime todo o ideal dos tempos
helenisticos: a cultura como bem supremo. .. Mais ainda: esta cultura nacional
é, sem dúvida, obra de todos os gregos, de tôda a história, de tôdas as
cidades gregas; ela é, porém, a um grau eminente, obra de Atenas, "escola
da Grécia", como Isócrates gosta de repetir com Tucídides. Sua verdadeira
grandeza reside nesta superioridade que se manifesta no plano cultural; dai a
atitude política de Isócrates: uma Atenas à mercê dos demagogos, que se torna
inimiga de seus melhores filhos, de uma elite sôbre a qual repousa sua cultura
e, portanto, sua glória, uma Atenas degenerada não seria mais Atenas, não teria
mais nada a defender, nem mereceria mais ser defendida. (p. 143)
Porém sua contribuição não pode ser menosprezada:
Assim,
pouco a pouco, entre as mãos de Isócrates, a retórica transmuda-se em ética.
Sem dúvida êle se recusa a compartilhar daquilo que acredita ser uma ilusão
dos socráticos, a saber, que a virtude se possa ensinar e que seja da ordem do
conhecimento: pelo menos, está persuadido de que aplicar o pensamento a um
grande tema, digno dêle, é um meio seguro de contribuir para a educação do
caráter, do senso moral, da nobreza de alma: "Uma palavra verídica,
conforme à lei e justa, é a imagem de uma alma boa e leal." Por esta imperceptível
extrapolação da literatura para a vida (admitindo-se que os hábitos morais
contraídos em uma se transfiram, necessàriamente, para a outra), por todo êste
idealismo simples, por esta ilimitada confiança nos podêres do verbo (estamos a
mil léguas dos angustiosos problemas que debatem, a respeito da linguagem,
homens como J. Paulhan e B. Parain), Isócrates aparece, realmente, como a
fonte de tôda a grande corrente do humanismo escolar. (p. 145)
As duas colunas do tempo
Há uma grande
rivalidade entre este e Platão, porém não é possível resumir em cada um todo o
conjunto da “escola” que cada um representa:
Seria
extremamente interessante - mas, creio que, no estado atual de nossa
documentação, isto seja, de fato, impossível - reconstituir a história,
presumivelmente complexa e matizada, de suas relações. Elas passaram por uma
evolução. Cada um dêles não tinha apenas um adversário único. Isócrates não era
tôda a retórica: vimo-Io opor-se à pura sofística de um Alcídamas. Platão não
era tôda a filosofia: os "erísticos" que Isócrates combate talvez
sejam também, ou sobretudo, os Megáricos ou Antistenes. Entre os chefes das
duas facções foi possível estabelecerem-se aproximações e alianças, para a luta
contra um mesmo inimigo: uma frente comum dos Dogmáticos contra a crítica
dissolvente da escola de Mégara, e mesmo uma frente dos "Ideólogos"
ou apóstolos da alta cultura contra o espírito estreito dos políticos
realistas. (p. 142)
Aqui podemos
verificar como um educador eficiente pode conseguir sucesso. Esse sucesso se
mede pela capacidade deste em formar políticos de sucesso. Em nossos dias a
escola de Isócrates seria comparável a uma escola que consegue fazer com que
seus alunos passem na vestibular nas universidades mais importantes e
competitivas do país ou de uma universidade que tem nos cargos mais importantes
da nação ex-alunos seus. Mas tudo isso tem um preço e só quem pode pagar preços
muito altos podem ter acesso, o que irá servir a manutenção do estatus quo.
MORROU, Henri-Irénée. Os mestres
da tradição clássica: II. Isócrates. In: ___. História da educação na antiguidade. São Paulo: EPU, 1975. p.
130-163.
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