http://www.ricardocosta.com/artigo/educacao-na-idade-media-busca-da-sabedoria-como-caminho-para-felicidade-al-farabi-e-ramon
Vimos a escola e a
instrução entre o papado e o império, lembrando as escolas paroquiais,
episcopais e cenobiais e as universidades; encontramos também os primeiros
mestres livres, aos quais, aliás, se deve em grande parte remontar a origem das
universidades, mesmo com sua subordinação ao antigo e novo direito eclesiástico
e imperial.
A atividade destes
mestres livres, porém, deve ser estudada mais de perto e explicada mais
estreitamente em relação ao surgimento de uma nova sociedade de mercadores e
artesãos, que têm como centros de vida as cidades organizadas em comunas e como
expressão cultural mais característica e visivelmente nova as literaturas em
vulgar. O nascimento destas literaturas é o sinal do nascimento do mundo
moderno. E embora elas continuem. a reproduzir conteúdos e formas da velha
literatura em latim, são introduzidos novos conteúdos e formas, nos quais se
refletem as necessidades e os interesses das novas classes emergentes. Os
protagonistas destas novas literaturas, da nova cultura e dos novos modos de
instrução não são mais os antigos clérigos, homens do clero regular ou secular,
mas os novos "clérigos", por força dos quais esta mesma palavra que
os define perde o seu velho significado de homem de igreja e assume o de
intelectual. (p. 168)
Os mestres livres são os
protagonistas da nova escola do terceiro estado: com eles tanto o conteúdo do
ensino como o que podemos chamar de sua situação jurídica e social vão mudando.
(p. 169)
Nos fins de 1200,
Bonvesin de Riva, ilustrando as várias profissões existentes em Milão, cuja
população ele calculava em cerca de 200 mil habitantes, nos dá estes dados
sobre a instrução:
"2.3. Os professores
de gramática são 8 e ensinam cada um a uma quantidade de alunos, explicando a
gramática com muito esforço e diligência; não sabemos, porém, quantos são os
professores que vêm de outras cidades.
2.5. Os mestres
elementares, que ensinam a ler e a escrever, são mais de 70.
2.6. Os copistas, apesar
de não haver na cidade um estudo geral, superam o número de 40. Eles passam o
dia copiando livros, ganhando dessa forma a vida" (Mag. Med. 86). (p. 172)
Esta escola é livre nas
grandes cidades e administrada pela comuna nas pequenas cidades, onde o número
limitado de alunos permitiria ao mestre viver com as cotas por eles pagas. (p.
172-173)
Em Lucca, em 1348, depois
da histórica peste, o doctor puerorum Filippo resolve pedir à comuna um
ordenado, porque
"devido à pobreza
dos cidadãos e ao número exíguo de meninos, não lhe era possível viver e.
comprar os alimentos necessários". (p. 173)
Estes. mestres - como
vimos - tinham quase sempre um monitor ou repetidor (com o antigo nome latino:
proscholus), que morava na casa deles para ensinar aos meninos, como se lê num
contrato veneziano de 1313. Por exemplo, o tabelião e poeta Lapo Gianni, em
1299, lavrava um contrato entre mestre e repetidor. Isso leva a supor uma
escola organizada numa forma mais complexa do que aquela de um mestre isolado
que dá aula simultaneamente a vários alunos de várias idades e de nível
cultural diferente, ou que atende ora a um grupo ora a outro, enquanto os
demais ficam à toa fazendo barulho. (p. 173)
No início, à parte os
mestres elem~ntares (doctores puerorum), o ensino dos mestres era ocasional e
ligado à profissão, isto é, um treinamento como aquele do tabelião genovês de
1221. Em seguida, paulatinamente, invadiram o campo tradicionalmente reservado
aos clérigos e alguns desses mestres, homens de grande talento, tornara~-se
merecidamente famosos: lembre-se Convenevole de Prato, mestre de Petrarca
entre 1315 e 1319, e Rinaldo di Villafranca, falecido em 1364, qqe Petrarca
convidara a transferir-se para Nápoles, onde encontraria mais alunos e maior
fama, a quem dedicara uma epístola latina e. para quem enviara seu filho
Giovanni, para estudar. O seu proscholus, Moggio de' Moggi, descreve-o, alegre
e venerando, a alternar com seus alunos passeios ao ar livre, gracejos e
brincadeiras com disputas cultas e leituras dos poetas antigos. Um precursor
dos grandes pedagogos do humanismo. Aliás, mais de um humanista, como Poggio
Bracciolini, começou assim sua carreira (p. 173)
Mudam
ta~bém as formas de gestão da atividade escolar e da associação dos mestres.
Nas grandes cidades - Florença, Gênova, Milão estes mestres formam uma
verdadeira corporação ou arte, idêntica às outras corporações de artes e
oficios e sem ligação com os collegia doctorun ou as universitates dos Studia
generales [...]. (p. 173-174)
Mestres
autônomos, mestres com pascholus, mestres associados em “cooperativas”, mestres
capitalistas que assalariam outros mestres, mestres pagos por corporações,
mestres pagos pelas comunas: esta variedade de relações jurídicas, estamos
perante a escola de uma sociedade mercantil que, quase totalmente livre da
ingerência da Igreja e do império, vende sua ciência, renova-a e revoluciona os
métodos de ensino. (p. 174)
Outra
forma típica na época posterior, embora minoritária, será o preceptor de casa,
o instrutor privado das famílias dos grandes ricos e dos senhores. Contra a
concorrência destes os mestres públicos se protegem proibindo-lhes, como no
estatuto do Colégio dos Mestres de Gênova, que instruam mais de dez alunos de
cada vez. (p. 174)
MANACORDA, Macio
Alighiero. A educação no trezentos e no quatrocentos. In: ______. História
da educação: da antiguidade aos nossos dias. 5. ed. São Paulo: Cortez,
1996. p. 168-192.
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