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Se consideramos as conquistas
ideais da burguesia revolucionária (liberal-democrática) durante o Setecentos
no que diz respeito à instrução, podemos sintetizá-Ias em poucas palavras:
universalidade, gratuidade, estatalidade, laicidade e, finalmente, renovação
cultural e primeira assunção do problema do trabalho. Até mais, relendo a
discussão da Assembléia Legislativa na
França em 1792, sobre os aspectos da instrução ("literária, intelectual,
física, moral e industrial"), apesar da inevitável desconfiança perante
tais classificações, poderemos reconhecer neles o eco de classificações mais
antigas e os primeiros sinais de uma nova classificação. De fato, que outra
coisa é a instrução literária, senão uma elaboração moderna da preparação
formal para as artes do trívio (as letras são a gramática, essencialmente), e
que outra coisa é a instrução intelectual senão a instrução concreta nas artes
do quadrívio (as ciências naturais)? E a instrução física, o que é senão a
preparação para o "fazer" da guerra, more Francorum? E a
instrução moral, senão a "aculturação" nas tradições e nos costumes
dominantes, até mediante um "catecismo republicano"? (p. 269)
Inicialmente nada: os trabalhadores perdem sua antiga instrução e na
fábrica só adquirem ignorância. Em seguida, a evolução da "moderníssima
ciência da tecnologia" leva a uma substituição cada vez mais rápida dos
instrumentos e dos processos produtivos e, portanto, impõese o problema
de que as massas operarárias não se fossilizem nas operações repetitivas das
máquinas obsoleIetas, mas que estejam disponíveis às mudanças tecnológicas, de
modo que não se deva sempre recorrer a novos exércitos de trabalhadores
mantidos de reserva: isto seria um grande desperdício de forças produtivas. Em
vista disso, filantropos, utopistas e até os próprios industriais são
obrigados, pela realidade, a se colocarem o problema da instrução das massas
operárias para atender às novas necessidades da moderna produção de fábrica: em
outros termos, o problema das relações instrução-trabalho ou da instrução
técnicoprofissional, que será o tema dominante da pedagogia moderna. Tentam-se,
então, duas vias diferentes: ou reproduzir na fábrica os métodos
'''platônicos'' da aprendizagem artesanal, a observação e a imitação,
ou derramar no velho odre da' escola desinteressada o vinho novo dos
conhecimentos profissionais, criando várias escolas não só sermocinales, mas
reales, isto é, de coisas, de ciências naturais: em suma, escolas
cientioficas, técnicas e profissionais. (p. 271-272)
"Uma grande batalha entre as outras, e talvez a maior, foi em
nossos dias travada e quase ganha: podemos dizer que a educação já foi tirada
das mãos do clero...; e em nossos dias os seculares, antes que aprender, como
faziam anteriormente, tudo dos padres, ensinam aos padres tudo, até a ser cristãos"
(Fr. 1). (p. 276)
Efetivamente, a laicização ("secularização") e a estatização
da instrução, iniciada no Setecentos (com todos os precedentes históricos
mencionados) e continuada com a Revolução Francesa, se completa no Oitocentos e
avança, pari passu, com a sua universalização. Essa foi uma batalha
contra "a educação igrejeira", entre Estado e Igreja, mas não
necessariamente entre cristãos e leigos, tendo em vista que aqui é o católico
Capponi a proclamar seu sentido. (p. 276-277)
O período da Restauração
viu as escolas voltarem ao domínio das Igrejas católicas ou reformadas. Assim
foi na França sob os Bourbons restaurados, até quando, sob a monarquia
orleanista, com Guizot, foi aprovada em 1833 uma lei que, atribuindo às comunas
a instituição de escolas e o pagamento dos professores, reabria o processo de
laicização e estatização. Assim foi, com características particulares, na
Inglaterra, onde a controvérsia entre Bell e Lancaster se concluiu com o
triunfo da tese anglicanista e, a partir de 1808, as escolas voltaram ao
controle das paróquias. Assim foi nos vários Estados da península italiana.
Somente a Prússia continuou em parte as tendências do absolutismo iluminado,
quando, após a derrota de Jena em 1806, se compreendeu a necessidade de uma
educação nacional e popular e Wilhelm von Humboldt, como ministro do Interior,
confiou a educação às autoridades estatais locais (Schulvorstãnde e Schuldeputationen)
e permitiu o ensino, anteriormente aberto a todo estudante de teologia,
somente a quem tivesse superado um exame de Estado. Nessa base, a Prússia foi a
vanguarda na organização da escola pública na Europa: em 1861, um sexto da
população completava nessas escolas a obrigatoriedade escolar; um resultado
fraco em si, mas superior em relação aos demais países mais avançados da
Europa:
1/7 na Inglaterra, 1/8
nos Países Baixos, 1/9 na França e percentuais bem mais baixos nos outros
países católicos. Não é por acaso que depois se afirmou que as vitórias
militares prussianas de 1866 e de 1870 foram as vitórias do mestre-de-escola,
tanto que os demais Estados se decidirão a percorrer mais energicamente os
caminhos da estatização da instrução.
Quanto à Itália, basta
voltar ao período da restauração para aquilatar os recuos, os conflitos e os
progressos da instrução na primeira metade do século. A situação dos Estados
sabáudos (Savóia, Piemonte, Ligúria e Sardenha) é típica, onde o edito de maio
de 1814 revigorava as constituições de 1771 e o regulamento escolástico de
1782, abolindo toda a legislação escolástica francesa. No lombardo-veneto
austríaco o regulamento das escolas elementares de 1818, apesar de alguma
inovação, como a instituição de uma 4.3 série elementar que objetivava
introduzir para uma escola técnica - que nunca foi criada -, removeu os docentes
do período francês e reintroduziu o catecismo católico no lugar dos catecismos
republicanos. O posterior regulamento dos estudos de 1822, sempre no Piemonte,
previa escolas comunais gratuitas, que não foram realizadas, e no entanto
reservava o ensino aos eclesiásticos ou excepcionalmente a leigos, desde que
vestidos de hábito eclesiástico. Dos seus 205 artigos, 75 se referiam aos
deveres religiosos dos mestres e dos alunos. No Estado pontifício, a Constitutio
de recta ordinatione studiorum, de 1824, se preocupava em suprimir as
poucas escolas de ensino mútuo ali instituídas por particulares; e, em
Florença, proibiram-se as escolas para
meninas, iniciadas por Fontanesi e por Capponi. (p. 277)
Esta disputa atinge todos os níveis da instrução, das escolas infantis,
que exatamente nesse período começam a difundir-se, às escolas elementares,
para as quais se discute o novo método do ensino mútuo, às escolas secundárias,
que já vêm se articulando em humarusticas e científico-técnicas, às
universidades, com suas novas faculdades correspondentes às transformações das
forças produtivas. Esta disputa talvez tenha na questão do "método" a
ser usado nos primeiros níveis de instrução a sua expressão mais
característica: podemos afirmar que, após a primeira grande idade da didática,
aberta pela invenção da imprensa e pelas iniciativas dos reformados, com a
grande figura de Comenius, esta nova idade da difusão da instrução às classes
populares, do nascimento da escola infantil, da difusão dos livros de texto,
das novas escolas para a formação dos professores, assinala um macroscópico
retomo à pesquisa didática. (p. 279)
Aporti não elabora grandes teorias, mas, seguindo a linha das
experiências owenianas, trabalha com afinco a fim de que a primeira idade seja
não somente protegida, mas também educada e instruída. Organiza, portanto, além
do ensino religioso, com orações, salmos, hinos sagrados escritos por ele mesmo
e práticas sacramentais, também atividades espontâneas ao ar livre e trabalhos
manuais. E, especialmente a partir do último ano, introduz os primeiros
rudimentos da preparação formal do ler, escrever e fazer contas, usando o
método indutivo ou demonstrativo, a nomenclatura sistemática e o cálculo mental
sobre objetos concretos.
"Os mestres - ele escreve - sejam ao mesmo tempo educadores e
instrutores das crianças" (206). (p. 281)
Seria interessante
acompanhar, na segunda metade do Oitocentos, todo o sistema de instrução, da
elementar à superior, já estatal em quase toda parte da Europa, e as
iniciativas cada vez mais numerosas (privadas, no início, e paulatinamente
estatizadas) no campo da instrução técnica e profissional (agrícola, artesanal
e industrial moderna). Aqui nos limi taremos a ilustrar, como exemplo, a
constituição de um orgânico sistema de instrução estatal na Itália, projetado
no Reino da Sardenha durante a chamada segunda guerra de independência, na
perspectiva de estendê-lo a todos os territórios da Itália setentrional, que se
pretendia anexar ao reino sabáudo, subtraindo-os aos domínios dos Habsburgos e
pontifícios. Logo a nova lei, que tem o nome do ministro Casati, foi aprovada
pelo rei Vitório Emanuel 11, a 13 de novembro de 1859, sem consulta parlamentar
por causa do estado de guerra, e tornou-se o texto fundamental da instrução em
todo o reino da Itália. (p. 290)
Também a instrução
primária articula-se em dois graus, de dois anos cada, e os alunos podem ter
acesso a ela completados os seis anos de idade. Ela é gratuita e em cada
município ou consórcio de municípios, pelo menos para o grau inferior, não se
poderão ter classes com mais de setenta alunos (011 regime napoleônico, em
1812, eram de oitenta a cem); superado esse número, a classe inferior será
entregue a um sub-mestre. As escolas de uma só classe poderão ter até cem
alunos. As escolas são masculinas e femininas, separadamente.
Essa lei institui
também (ar/. 357) nove escolas normais masculinas e nove femininas, para a
formação dos plOfessores e das professoras. Esta era uma instituição "que
estava nascendo" no Reino Sardo (já a encontramos nas "escolas
cristãs e na Áustria de Maria Teresa) e a lei se propunha a estendê-Ia também
às novas províncias lombardas. (p. 291)
Analisando rapidamente
essa lei, deduz-se, entre outras coisas, que os docentes em todos os níveis,
foram de certo modo beneficiados, mas os alunos continuavam a aparecer somente
como objeto passivo das sanções disciplinares. Todavia, há uma crescente
mitigação das punições; já
"da série dos
castigos devem ser banidas não somente as punições corporais, que ficam
absolutamente proibidas, mas também qualquer repressão muito dura que possa
aviltar os adolescentes e prejudicar-Ihes o sentimento de dignidade
pessoal" (p. 18). (291-292)
"45. Todo o
regime das escolas públicas, em que se educa a juventude de qualquer Estado
cristão (excetuando somente, por determinados motivos, os Seminários
Episcopais) pode e deve ser confiado à autoridade civil, de tal forma que não
se reconheça nenhum direito de qualquer outra autoridade de ingerir-se na
disciplina das escolas, no regulamento dos estudos, na colação de graus, na
escolha e na aprovação dos professores. (p. 293)
Esta dupla
discriminação, autoritária e conservadora ou democrática e progressista, não se
apresenta de modo igual nos vários países, mas ainda perdura, embora com
tendências novas em alguns países. É claro que, além da inviolável exigência de
um específico compromisso para cada um, é difícil não sentir aqui o eterno
risco de confundir natureza individual e determinações históricas da divisão do
trabalho. Vimos que a confusão místico-idealista das premissas teóricas, das
quais aparentemente foram deduzidas as opções pedagógicas e didáticas, não
impediu que Froebel contribuísse significativamente para o progresso da ciência
da prática pedagógica. O tempestuoso acontecimento da supressão de suas escolas
por parte do governo prussiano, por causa de idéias socialistas não suas, mas
de seu sobrinho, talvez tenha contribuído para fazer esquecer seu supérfluo
espiritualismo. Quando, em 1860, oito anos após a morte de Froebel, suas escolas
foram reabertas, sua discípula, a baronesa Berta von Marenholtz Bülow, iniciou
uma ativa obra de difusão de suas idéias e de multiplicação dos Kindergarten em
todos os países. Na Itália, encontrou seguidores entre as mulheres,
especialmente estrangeiras e hebréias, às quais o novo Estado liberal e o
progresso geral permitiam finalmente aparecer em primeira pessoa no cenário da
iniciativa social, embora só no âmbito da educação da primeira infância. (p.
300)
MANACORDA, Macio
Alighiero. A educação no oitocentos. In: ______. História da educação:
da antiguidade aos nossos dias. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1996. p. 269-310.
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