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O fim do Seiscentos e o início do Setecentos conheceram outros temas de
reflexão e outras tentativas de ação além daquelas que vimos no esforço de Comenius
para uma sistematização definitiva do saber a ser transmitido com oportunos
métodos didáticos às crianças através do velho instrumento da língua latina, e
nas iniciativas, realizadas na república inglesa puritana, de escolas
caracterizadas pela modernização da instrução considerada como conteúdo
"real" e "mecânico", isto é, científico-técnico, em vista
de atividades trabalhistas ligadas às mudanças que vinham acontecendo nos modos
de produção. (p. 227)
E o engraçado é que, como
em Laputa, também na cidade de Lagado criam-se academias de inventores, todos
dedicados às mais estranhas pesquisas: extrair raios de sol de abóboras, fazer
voltar os excrementos humanos aos alimentos originais, calcinar o gelo para
extrair dele pólvora de tiro, construir casas começando pelo telhado, arar a
terra com os porcos, utilizar as teias de aranha para fazer tecidos e assim por
diante. Mas é especialmente digna de observação a "máquina para
aprender", um grande quadrado com uma rede de quadrinhos móveis onde estão
escritas todas as palavras em todas as suas flexóes: fazendo-o rodar através de
manivelas, ele dá todas as possíveis formações de frases insensatas, que são
escrupulosamente coletadas e decoradas. É o typographeum vivum de
Comenius, visto por um espírito extravagante.
Ainda no âmbito das viagens reais ou imaginárias para a descoberta de
novos costumes, podemos lembrar que na França, em 1721, isto é, alguns anos
antes do Robinson e do Gulliver, tinham sido publicadas as Lettres
persanes de Montesquieu, que, derrubando os esquemas tradicionais,
imaginava a viagem de um estrangeiro na França e se divertia em observar
através de seus olhos desencantados os costumes habitualmente considerados
normais. Então o seu persa escreve a um seu correspondente na Pérsia estas
impressões sobre as escolas francesas:
"Em Paris, meu caro Rhedi, existem muitos ofícios. .. um número
infinito de mestres de línguas, de artes e de ciências, ensinam aquilo que não
sabem; e é prova de talento verdadeiramente admirável, porque é preciso' pouca
inteligência para mostrar aquilo que se sabe, mas precisa-se inteligência
infinitamente superior para ensinar aquilo que se ignora" (Carta 58).
(p. 238)
Na França, Mably,
irmão de Condillac, no seu De Ia législation ou principes des lois (1776), imaginando
um diálogo entre um inglês e um sueco, trata difusamente das leis relativas à
educação que a república deve dar aos cidadãos e fala com desprezo dos
"mestres
mercenários, cujo objetivo é ensinar penosamente num college um pouco de
péssimo latim e muitas tolices" (p. 372);
e concluía
categoricamente que
"não cabe
a pedantes, que não têm idéia alguma da sociedade nem dos recursos que a
dinamizam e a fazem florescer, ambicionar a honra de educar os cidadãos"
(p. 373). (p. 246)
Na Itália, o
domínio napoleônico modificou o sistema da instrução, embora as mudanças
introduzidas não fossem muito significativas. Se, por exemplo, lemos as
Istruzioni per le scuole elementari, emanadas em 1812, em Milão, pelo
diretor-geral da instrução pública (esta Direção Geral era apenas um
departamento do Ministério do Interior), notamos um certo progresso em relação
às "escolas cristãs", mas também uma tenaz conservação dos velhos
motivos:
"22. III,
Deveres dos mestres - Hão de ter especial atenção em ensinar aos alunos os
princípios da religião, insinuar neles a gratidão para com os pais e o amor à
arte para a qual os próprios pais pretendem destiná-Ios, e que ordinariamente é
a deles". (p. 254)
Religião,
portanto, com a reza obrigatória das orações (27), apesar dos temores em
contrário manifestados por Pio VII, e trabalho artesanal entendido quase como
uma predestinação natural. E, naturalmente, a política imposta:
"23. Os
mestres devem instilar no coração de seus alunos o amor ao Rei e à ,Pátria, a
obediência às Leis, o respeito aos Magistrados e a gratidão que eles devem
especialmente àqueles que procuram para eles uma instrução gratuita e fazem de
tudo para enobrecer seus alunos. Em cada escola, portanto, os Municipios
providenciem que haja a imagem do Rei". (p. 254)
Com maior
equilíbrio e maior senso da história, intervinha, nos anos napoleônicos,
Vincenzo Cuoco. No seu Rapporto ai re (de Nápoles, Giacchino Murat) de
1809, ele, como Filangieri e Galdi, distinguia as estruturas de uma instrução
segundo as classes sociais, mas queria que fosse "universal, uniforme e
completa": sem confundir, porém, uniformidade com igualdade:
"É necessário
que exista uma instrução para todos, uma para muitos e uma para poucos.
Portanto, a instrução pública seria dividida em sublime, média e elementar. A
primeira não deve fazer do povo tantos sábios, mas ~eve instruí-Io tanto quanto
baste para que possa tirar provei.to dos sábios" (p. ,5-6). (p.
256)
Sua conclusão
lança uma sombra sobre este projeto iluminado e moderado, pois, mostrando-se
muito ligado aos tempos e insensível à utopia, tenta justificá-Io com o
seguinte objetivo, aliás bastante contingente:
"fazer uma guerra
eficaz aos soberbos manufatureiros (ingleses),
inimigos de todo o
continente, que se tornaram potentes exclusivamente pela indolência dos outros
povos" (p. 100). (p. 256)
Nos anos da
Revolução Francesa vinha-se afirmando na Inglaterra
uma nova iniciativa
educacional, promovida por particulares: o chamado "ensino mútuo" ou
"monitorial", no qual alguns adolescentes instruídos diretamente pelo
mestre, atuando com variedade de tarefas como auxi
liares ou monitores,
ensinam por sua vez outros adolescentes, supervi
sionando a conduta deles
e administrando os materiais didáticos.
Embora pudéssemos citar,
um pouco arbitrariamente, exemplos
antiqüíssimos a partir de
Licurgo e Quintiliano, ou mais recentes, como
os exemplos
franceses de Herbault em 1747 ou de Paulet, apoiado por Luís XVI em 1772, ou
ainda o exemplo de Walafried Strabo e os alunos "oficiais" das
escolas cristãs, a sistematização didática rigorosa e a difusão em vista de um
plano nacional de instrução popular começou (discute-se quanto à precedência)
por obra do pastor anglicano Andrew Bell (1753-1832), que, a partir de 1789,
dirigiu em Madras uma escola instituída pela Companhia das índias Orientais
para os filhos de seus soldados europeus, e por obra do quaker Joseph Lancaster
(1778-1838), que em 1798 abriu em Londres uma escola para crianças pobres. (p.
256-257)
Em 1797, Bell
publicava seu livro An experíment ín educatíon, isto é,
"Um
experimento de instrução, realizado no asilo masculino de Madras, que sugere um
sistema segundo o qual uma escola ou uma família pode instruir a si mesma sob a
superintendência de um mestre ou de um parente", (p. 257)
Em um único local
bem grande, em cujo modelo ideal constam três grandes naves divididas por
colunas ao longo das quais estão dispostos em quadrado os bancos das várias
classes, os alunos, sentando um ao lado do outro de acordo com o mérito e o
aproveitamento, são confiados aos monitores. O mestre
"está na
extremidade da sala sentado sobre uma cadeira alta. Supervisiona toda a escola,
e especialmente os monitores. Vigia as divisões quanto à instrução, examina uma
ou duas vezes por semana cada classe, assiste às repetições dirigidas pelos
monitores" (p. 22). (p. 259)
As lições são
de um quarto de hora nas classes inferiores e de meia hora nas superiores; os
exercícios são breves e fáceis. Nelas finalmente está associada a aprendizagem
do ler e do escrever e se utilizam materiais didáticos novos; particularmente,
os livros são eliminados, pelo menos por Lancaster, até às últimas classes, e
para escrever os alunos recebem uma tabuinha com areia, onde escrevem com o
dedo, e uma pequena lousa. Para ler, os. alunos se agrupam em semicírculo na
frente de grandes lousas ou "quadros", pendurados nas paredes, e tudo
se desenvolve com rigorosa disciplina:
"1. Os
monitores de classe ditam o conteúdo dos quadros onde estão escritas as lições,
e os alunos escrevem em suas lousas; 2. Os alunos lêem seus quadros suspensos
na parede; 3. O monitor interroga um número de alunos da divisão e manda
repetir de voz e de cor os exercícios anteriores" (p. 35).
MANACORDA, Macio
Alighiero. A educação no setecentos. In: ______. História da educação:
da antiguidade aos nossos dias. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1996. p. 227-268.
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