http://ebvpancora5b.blogspot.com.br/2010_05_01_archive.html
O autor inicia o
presente capítulo apresentando de forma sucinta as condições da sociedade do
século VI:
No início do século VI verificam-se fenômenos
políticos significativos. De um lado, alguns reinos romano-bárbaros já se implantavam
firmemente em territórios do Império do Ocidente, onde a única autoridade
política autenticamente romana é a Igreja e especialmente o papado; de outro
lado, o Império do Oriente conserva ainda a sua unidade e a sua força, o que
lhe permitirá tentar a reconquista do Ocidente. Estes três centros de poder,
tão diferentes entre si, se enfrentarão numa complexa luta ideológica e
militar. (p. 111)
O fim do Império
Romano colocou em xeque diversas instituições e seguimento sociais dentre os
quais os professores, em alguns houveram medidas com a finalidade de garantir
estas instituições e seguimentos: “Na Itália, entre os ostrogodos, Teodorico
procurou. garantir as contribuições anonárias aos profissionais das artes honestae,
entre os quais os mestres de gramática e de retórica, reservando, porém, a
cultura das artes liberais aos romanos [...]” (p. 111).
Porém nada será
como antes. A cultura clássica perde seu espaço e os profissionais ligados a
ela por sua vez ficam em dificuldades, com algumas exceções
O repúdio e o esquecimento da cultura clássica já são
um fato consumado. As escolas de artes liberais tiveram, pelo menos na Itália,
os seus últimos esplendores sob Teodorico, que interviera em seu favor; em
seguida, após a destruição da guerra greco-gótica, Justiniano, solicitado pelo
papa Vigílio, renovou as providências do rei bárbaro. Na sua Pragmática Sanção,
de 554, com que sancionava o renovado (e caduco) domínio imperial na Itália,
reconfirmava "as contribuições anonárias que, nos tempos de Teodorico,
costumavam ser pagas aos gramáticos ou aos retores, como também aos médicos e
aos jurisperitos que tivessem continuado a exercer sua profissão, para que em
nosso Estado floresçam jovens instruídos nos estudos liberais" (Nov.,
App., VII, 22). (p. 113)
Nesses momentos
as organizações ligadas a Igreja se constituíram o espaço formativo dos jovens,
mas nesse espaço também acaba por ser, muitas vezes o fim para o qual a
formação levará o indivíduo
Mas quantos teriam sido os gramáticos e os retores a
exercer a profissão e quantos jovens teriam se dedicado aos estudos liberais?
Cassiodoro (ou o próprio Teodorico, pela pena de Cassiodoro) já deplorara que
tantos jovens, terminados os estudos das letras, acabassem num mosteiro ou
voltassem às suas propriedades:
"estudam para depois desaprender; instruem-se
para depois se descuidarem" (Variae, VIII, 31). (p. 113)
Aos poucos os
últimos resquícios da cultura clássica irão findar “E esta cultura irá findando
lentamente até para os próprios romanos: o último ludimagister se
encontrará na Aquitânia, no século VII.” [...] (p. 114)
Na medida em que
a Igreja vai assumindo o papel educativo ela começa a preparar o seu pessoal
para tal função e para tanto foi buscar inspiração no povo hebreu:
Já em
418, o papa Zózimo instituira as primeiras escolas religiosas, para que, dizia,
os sacerdotes aprendessem antes de ensinar. De fato, a tarefa dos sacerdotes,
já claramente distinta da dos leigos (clero significa parte eleita, separada),
é de ensinar: uma função que, diversamente dos antigos levitas do povo
hebraico, não é conquistada exercendo primeiramente a "força das armas”. O
"dizer" e o "fazer" aqui são nitidamente distintos: isto é
típico da sociedade cristã. Contudo, o modelo organizacional destas escolas
para a formação dos sacerdotes-mestres é exatamente a escola hebraica. O modelo
dos hebreus está conscientemente presente, por exemplo, no Ambrosiaster (como
foi chamado por Erasmo o desconhecido autor do Comentário às cartas de Paulo
anteriormente atribuído a Santo Ambrósio), onde se fala dos
"mestres
que costumavam instruir as crianças no alfabeto e nas letras, como é costume
dos hebreus, cujas tradições passaram para nós e que, em seguida, por nossa
negligência, caíram em desuso" (f. L. XVII, 387).
(p. 114-115)
E também
em outro lugar lembra esta derivação da escola cristã da escola hebraica:
"Chama doutores àqueles que na igreja ensinavam às crianças as letras e as
leituras a serem decoradas, segundo o costume da sinagoga, já que a tradição
deles passou para nós" (II, 141). (p. 115)
O exemplo da sinagoga passou, portanto, à Igreja, como
também da sinagoga passou para a Igreja o uso de decorar as paredes com
afrescos ilustrando episódios da vida de Moisés e de Cristo, para fins de aculturação
ou de edificação. Talvez seja excessivo atribuir à escola da sinagoga o mérito
de ter realizado pela primeira vez na história um sistema de instrução pública
e obrigatória (tal foi também, de certo modo, o ginásio para os gregos da
diáspora), todavia o cristianismo, fundado na tradição hebraica, marca uma
nítida separação da antiga tradição que excluía as classes populares da
instrução. A ordem "euntes docete omnes gentes" caracteriza
uma nova atitude mental: todos devem ser, se não cultos, pelo menos
aculturados, através de um processo que hoje chamaríamos institucionalizado, e
a cada um deve ser aberto o acesso àquela corporação de mestres que é o clero.
A nova tradição cristã ignorará durante séculos, pelo menos em princípio,
qualquer ostracismo aos "meduti", aos "lobetéres",
aos "rbetores latini", que expressava a discriminação
educativa de outras sociedades.
(p. 115)
E a Igreja passa
a constituir espaços educativos que venham a suprir a ausência das antigas
escolas romanas, começa pela escola episcopal:
Por exemplo, na Espanha, o Concílio de Toledo, de 527,
decide:
"As crianças destinadas por vontade dos pais,
desde os primeiros anos da infância, à missão do sacerdócio, logo que sejam
tonsuradas ou recebidas para exercer os ministérios eclesiásticos, devem ser
instruídas pelo preposto na casa da igreja, à presença do bispo" (VIII
e 785). (p. 116)
Em seguida a
escola paroquial:
Dois anos mais tarde, o Concílio de Vaison, na França,
estabelece
"Todos os padres constituídos para presidir as
paróquias, seguindo o hábito que é oportunamente observado na Itália, acolham
suas próprias casas leitores mais jovens e procurem, alimentando-os
espiritualmente como bons pais, ensinar-lhes os salmos, acostumá-los às
divinas leituras e instruí-Ios na lei do Senhor, de modo que possam
providenciar bons sucessores para si mesmos e, assim, receber de Deus os
prêmios eternos" (Cone. Gal/., p. 78).(p. 116)
E nos mosteiros
a educação continua se dar onde "por três horas as criancinhas, na sua
década, sejam instruídas em suas tabuinhas por um monge letrado; também os
adultos analfabetos, até os cinqüenta anos, aprendam as letras” (Masai, L,
p. 247); (p. 120).
Houveram algumas
discussões a respeito dos conteúdos, pagãos (ligados a civilização
grego-romana) e religiosos (sobretudo as Escrituras), mas essa discussão logo
tem fim e começa-se a constituir o modelo de escola que se configurará como o
mais importante dessa época:
Meio século mais tarde, porém, Cassiodoro, que, como
sabemos, exerceu na corte do rei ostrogodo Teodorico aquele aspecto cultural do
poder (o "dizer" que permanecera confiado aos romanos, e que em 540
fundará em Vivarium, na Calábria, um mosteiro que prefigura aquelas escolas
cenobiais que se tornaram os grandes centros de cultura da Idade Média, tomou
uma posição mais equilibrada, tentando conciliar classicismo e cristianismo.
Ele convidava os magistri saecularium lilterarum, que ainda subsistiam,
a reconhecer que nas Sagradas Escrituras era possível encontrar todas as
figuras retóricas que se ensinavam em suas escolas [...]. (p. 123)
Mas o público
dessas escolas não é o mesmo de antes
Se as paróquias e os cenóbios são a nova escola, e se
os presbyteri e os priores fratres são os novos ludimagistri, seus
discípulos, porém, não são mais os grandes filhos dos grandes centuriões, como
ironizara Horácio, mas as crianças de origem humilde e, freqüentemente, escravas
de ultramar resgatadas pelos conventos. A Vila Amandi lembra que o
santo:
"resgatava crianças de países ultramarinos e as
fazia adequadamente instruir nas letras" (MGH, SRM, V p. 428). (p.
128)
Porém o “pessoal
docente é escasso e carece de formação:
Como se vê, a utilidade do pároco e a segurança da
igreja exigiam que não faltassem sacerdotes. Estes, como nos séculos
precedentes, parece que não eram muito instruídos, já que o concílio de 633
tem de recomendar uma vez mais que "os sacerdotes tenham conhecimento das
escrituras e dos cânones" (c. 25), e que no ato da ordenação
recebam o livro com o ofício, "para que, bem instruídos, saibam dirigir as
igrejas a eles confiadas" (c. 26).
Devido, portanto, à ignorância e, talvez, à escassez
dos sacerdotes, procurava-se instruí-los criando nas paróquias verdadeiras
escolas e recrutando libertos, para que fossem ao mesmo tempo clérigos e
servos. Um pouco como acontecia e acontecerá na relação de aprendizagem
artesanal, em que cada mestre de ofício forma o seu jovem aprendiz. Talvez,
além do espírito de filantropia e proselitismo, também este fosse o estímulo a
induzir os mosteiros da Germânia a resgatar meninos escravos, para educá-los
nos mosteiros. (p. 129)
Igreja e Estado
tem dúvidas sobre com quem o dever de instruir o povo deve ficar
Na Itália, alguns anos mais tarde, em 825, Lotário,
porém, com o Capitulare olonense, libera completamente a Igreja da
função de instruir os leigos, instituindo aquela que poderíamos definir como
uma escola pública de Estado, a ser organizada em sedes mais adequadas (in
congruentissimis sedibus); elas são indicadas nas cidades de Turim, Pavia,
Cremona, Florença, Fermo, Vicenza, Cividale e Ivrea, onde, porém, a iniciativa
ficou aos cuidados do bispo. O exemplo da Itália é logo seguido na França,
onde, no Concílio de Paris, em 829, são os próprios bispos que solicitam a
Lotário que o clero não seja obrigado a providenciar a instrução dos leigos,
mas que
"seguindo o costume do pai, pelo menos nas três
sedes mais importantes do império fossem criadas escolas públicas por vossa
iniciativa" (Can., XII).
(p. 133)
Porém uma das
partes resolve sua “dúvida”: “Logo, porém, a Igreja modificará radicalmente
essa política, avocando para si qualquer iniciativa em matéria de educação.”
(p. 133) A Igreja assume de vez esse papel e mais adiante irá fazer algumas
distinções entre a educação dos leigos e a educação dos futuros sacerdotes
Mas no momento, se o papado romano volta, após os
tempos de Gregório Magno, a ocupar-se destes problemas, o faz visando a formação
dos clérigos e muito pouco a dos leigos. Todavia, exatamente sob o papado de
Eugênio II (824-827), inaugura-se a legislação pontifícia sobre as escolas
episcopais, que depois entrará nos Decretalia, isto é, no corpus
iuris da Igreja, e vigorará até a XXIII Sessão do Concílio de Trento
(1545-64), na qual serão instituídos os seminários para a formação dos
religiosos. O Concílio romano de 826 sanciona:
"Chegam-nos de alguns lugares notícias de que não
se encontram mestres e que ninguém se interessa pelo estudo das letras. Portanto,
em todos os bispados, com suas respectivas paróquias e em outros lugares em que
se fizer necessário, tomem-se todas as providências para nomear mestres e
doutores que ensinem as letras, as artes liberais e os sagrados dogmas, pois
nestes especialmente é que se manifestam os mandamentos de Deus" (Can.
IV).
(p. 133)
MANACORDA, Macio
Alighiero. A educação na Alta Idade Média. In: ______. História da educação:
da antiguidade aos nossos dias. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1996. p. 111-139.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Você recebeu um comentário.