Desde o século IV, vemos, todavia, aparecer um tipo de
escola cristã, inteiramente orientada para a vida religiosa e que nada mais tem
de antiga; esta escola, porém, de inspiração já totalmente medieval, permanece
por longo tempo propriedade de um meio particular e pouco se irradia exteriormente.
Trata-se da escola monástica. (p. 502)
A escola monástica no oriente.
Mas nada disso teve grande repercussão. Vê-se,
claramente, que o apêlo de Crisostomo é de uma alma exaltada, inteiramente
voltada para a perfeição e convencida de que todos são tão sensíveis quanto
ele. Nada menos prático que isso que ele imagina: os rapazes permanecerão dez
anos, vinte anos, caso necessário, no mosteiro para consolidar-se na virtude;
mas qual se toma então sua carreira no século? Ele tem muito cuidado, sem dúvida,
em esclarecer que não deseja que estas crianças fiquem sem instrução, mas nada
indica que houvesse meios para que se lhas outorgasse no deserto. Se ele nos
mostra, uma vez, um monge servindo de preceptor a um rapaz iniciado nos estudos
profanos, este é, segundo ele mesmo diz, um caso absolutamente excepcional: é
até pelo fato de não se poder generalizá-Io que ele propõe a solução de uma
permanência no deserto. (p. 505)
Quanto a São Jerônimo, longe de pensar em generalizar
o plano de educação imaginado para Paula (esta com efeito, parece haver
correspondido muito mal às esperanças do seu mestre), não parece
tampouco que ele mesmo o tenha aplicado de maneira sistemática: corno sabemos,
dirigia ele a educação de certo número de jovens latinos que lhe haviam sido
confiados no seu mosteiro de Belém, mas o ensino que lhes ministrava seguia os
programas clássicos: a gramática, Virgilio, os poetas cômicos e líricos, os
historiadores...
São Basílio, corno vimos, não manifestava grande
entusiasmo em admitir no claustro crianças cuja vocação religiosa não fôsse
certa; à medida que se avança, mais os meios monásticos mostram desconfiança
contra esta intrusão, que só pode comprometer a paz e o recolhimento, e afinal,
em 451, o Concílio de Calcedônia interditou formalmente a educação, nos
conventos, de crianças destinadas a voltar ao século, [...]. Essa interdição
será sempre mantida: a escola monástica, em país grego, é, se podemos dizê-lo,
para uso interno. (p. 506)
A escola
monástica no ocidente.
Nada disso no Ocidente: a lectio divina, a
leitura dos Livros santos e antes de tudo do ofício, parece inseparável do
pleno exercício da vida monástica. Este caráter letrado é bem manifesto nas
origens: Santo Agostinho, que introduziu o monaquismo na África, dera à sua
primeira comunidade, que, ainda leiga, ele agrupara em torno de. si em Tagasta,
o caráter de um mosteiro erudito; sua Regra prevê, como normal, a
existência de uma biblioteca; em Marmoutier, os monges de São Martinho, o
iniciador do monaquismo na Gália, copiam manuscritos. Uma espécie de reflexo
imediato liga o estado de monge ao estudo das letras: coloquemo-nos num
contexto completamente estranho à cultura clássica e vejamos São Patrício
evangelizar a Irlanda; cada vez que ele escolhe, ou que lhe trazem um jovem
para fazer dele um monge, o reflexo aparece: "Ele o batiza e lhe dá um
alfabeto". (p. 507)
Escola episcopal.
Sempre houve, agrupado em torno do bispo, todo um
corpo eclesiástico: compreendia em particular o grupo dos jovens que,
investidos das funções de leitores, se iniciavam na vida clerical. Neste
meio normalmente se recrutavam e se formavam os diáconos, os padres e os
futuros sucessores do bispo: [...] por esta formação, de caráter absolutamente
prático e familiar, os membros do clero recebiam, na falta de seminários e de
escolas de teologia, sua instrução dogmática, litúrgica e canônica. Quanto ao
mínimo de cultura profana, e, se. posso dizê-Ia, humanista que supunha este
ensino, era assegurado pelas escolas do tipo habitual, [...]. (p. 508-509)
A escola
presbiterial.
No século VI, enfim, acaba-se de organizar ou de
reconstituir, após a tormenta das invasões, a rede das paróquias rurais. O
sucesso da evangelização das massas fêz surgir a estrutura estritamente urbana
da antiga Igreja, agrupada em torno da sede episcopal. Mas o número de padres é
bruscamente multiplicado: como, neste contexto bárbaro, assegurar a formação do
clero rural? A solução consistiu em generalizar o sistema já em vigor na escola
episcopal: em 529, o II Concílio de Vaison, sem dúvida por iniciativa de São
Cesário, prescreveu "a todos os padres encarregados da paróquia receber em
suas casas jovens na qualidade de leitores, a fim de educá-Ios cristãmente, de
ensinar-Ihes os salmos e as lições da Escritura, e tôda a lei do Senhor, de
maneira a poderem preparar para si, entre eles, dignos sucessores". (p.
511)
O inicio das
escolas medievais
Acabamos assim de ver todas as instituições que
servirão de ponto de partida para o desenvolvimento do sistema da educação
medieval. Nos séculos VI-VIl, a que chegamos, este sistema está apenas
esboçado: sejam monásticas, sejam seculares, estas escolas têm ainda um
horizonte muito limitado: são, se posso dizer, escolas técnicas, que pretendem
formar somente monges e clérigos. (p. 512)
Entretanto, na Irlanda pelo menos (onde, podemos
supô-Io, uma velha tradição druídica abrira caminho, desde o paganismo), vemos
já filhas de reis ou de chefes normalmente confiados a um mosteiro, ao tempo de
sua educação: aí conservam seu estatuto laico e, concluída sua formação, voltam
ao mundo e retomam a posíção a que pelo nascimento se destinavam. (p. 513)
Não há dúvida que este sentimento se explica, em parte, como efeito da
decadência e da barbárie ambiente: o mestre é o homem, difícil de encontrar,
capaz de revelar o segrêdo, tornado misterioso, da escrita; testemunha-o este
episódio que lemos em Gregório de Tours: um dia, um clérigo giróvago, e que
logo se revelaria indigno, apresenta-se ao bispo Etério de Lisieux (por volta
de 584) como mestre-escola, litterarum ooctorem. Alegria do prelado,
isto é tão raro! Apressa-se ele em reunir as crianças da cidade e em
confiar-lhas para que as instrua: o clérigo granjeia a estima de todos,
cumulado de obséquios por parte dos pais. E quando o inevitável escândalo irrompe,
apressam-se em abafá-Io.
Muito mais ainda: o mestre é aquele que revela não apenas a escritura,
mas a Sagrada Escritura. Monástica, episcopal ou presbiterial, a escola não
separa a instrução da educação religiosa, da formação dogmática e moral; religião
ao mesmo tempo douta e popular, o cristianismo concede ao mais humilde dos seus
fiéis, por mais incipiente que seja seu desenvolvimento intelectual, o
equivalente àquilo que a altiva cultura antiga reservava à elite de seus
filósofos: uma doutrina sobre o ser e sobre a vida, uma vida interior submetida
a uma direção espiritual. Segundo a fórmula estereotipada de nossos velhos
hagiógrafos, a escola cristã forma a um só tempo litteris et banis moribus "nas
letras e nas virtudes". Nesta estreita associação, mesmo no escalão mais
elementar, da instrução literária e da educação religiosa, na síntese, na
pessoa de um mestre, do instrutor (ou do professor) e do pai espiritual, é que
me parece residir a essência mesma da escola cristã, da pedagogia medieval por
oposição à antiga. É necessário, desde então, fazer remontar sua aparição aos
mosteiros egípcios do século IV. (p. 516)
MARROU, Henri-Irinée. O
surgimento das escolas cristãs de tipo medieval. In:___. História da
educação na antiguidade. São Paulo: EPU, 1975. p. 502-516.
que bosta
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