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terça-feira, 23 de abril de 2013

OS MESTRES DA TRADIÇÃO CLÁSSICA II: ISÓCRATES


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Esse educador teve um importante papel na educação de toda a antiguidade:

De Cícero a nossos dias (Burnet, Barker, Drerup, Burk, G. Mathieu...) não faltaram, a Isócrates, apolo­gistas: outorgou-se-lhe, convictamente, o título de "Pai do humanismo" - o que, na minha opinião, não deixa de ser excessivo, uma vez que se pode desejar uma definição mais profunda e mais ampla de humanismo, aplicável a algo menos acadêmico e menos escolar, a algo mais viril e mais rigoroso que êste flácido aticismo, florido sem dúvida, mas um tanto enfezado. Pelo menos, é certo - e eis aqui, já, um belo título de glória – que Isócrates foi o mestre por excelência desta cultura ora­tória, desta educação literária que vão impor-se, como caracteres dominantes, à tradição clássica, a despeito da tensão dialética que gera, no seio desta mesma tradição, a presença permanente da opção aberta pela crítica filo­sófica. De maneira geral, foi Isócrates, e não Platão, o educador da Grécia do quarto século, e, em seguida, do mundo helenístico e depois romano: de Isócrates saíram, "como de um cavalo de Tróia", êstes numerosos peda­gogos e êstes letrados, animados de um nobre idealismo, êstes moralistas ingênuos, amantes de belas frases, diser­tos e volúveis, aos quais a antigüidade clássica deve, em qualidades e em defeitos, tôda a essência de sua tradição cultural. (p. 130-131)

Carreira profissional

Isócrates foi, essencialmente, um professor de elo­qüência: ensinou durante cêrca de cinqüenta e cinco anos (393-338); antes de ingressar nessa carreira, havia exercido, de 403/402 a 391/390, aproximadamente, o ofí­cio de "logógrafo", isto é, redator profissional de dis­cursos judiciários; a partir de 380, desempenhou essa função paralelamente à atividade de escritor, de publi­cista, de homem Político. (p. 132)

Isócrates obteve sucesso, ascendendo social e financeiramente:

Como os pequenos Socráticos, é êle um educador profissional: abriu uma escola em Atenas ou em sua cir­cunjacência imediata, bem perto dêste ginásio do Liceu onde se instalará Aristóteles, escola aberta ao público, desprovida do caráter de seita hermética que distinguia a Academia; escola paga, onde, como entre os Sofistas, se combinava o preço de um ciclo completo de estudos com a duração de três ou quatro anos; e cuja taxa é de mil dracmas, tendo baixado os preços desde Protágoras e sendo objeto de concorrência; o que não impediu Isócrates de fazer fortuna, embora nisto fôsse êle favorecido, também, pelas dádivas munificentes com que o cumularam certos discípulos seus, como Timó­teo ou Nícocles; em 356 êle perdeu, irremissivelmente, um processo de "barganha de bens" - o que indica que êle foi incluído, pelo tribunal, no número dos 1200 mais ricos cidadãos de Atenas, aos quais incumbia, de acôrdo com a lei de Periandro, a manutenção da trierar­quía. Avalia-se, por isto, qual tenha sido o sucesso de sua escola (atribui-se-Ihe uma centena de alunos), su­cesso que, aliás, o envaidecia: assim nos fala êle dêstes estudantes que, originários dos confins do mundo grego - da Sicília ao Ponto Euxino -, arcando com grandes gastos e passando por grandes tribulações, acorrem a Atenas para ouvir-lhe as lições. (p. 135)

Seu valor educativo

Sob êsse aspecto, seu êxito foi ainda maior que o de Platão: à semelhança da Academia, e até mais pro­ficuamente do que esta, sua escola foi um centro de formação de homens políticos. Para seus alunos, Isó­crates foi um mestre, na mais plena acepção da palavra. Não devemos imaginar sua escola como um vasto esta­belecimento abarrotado de ouvintes: pode-se fàcilmente calcular, que o número de alunos presentes jamais ultrapassou o número máximo de nove e que se esta­belecia, em média, em tôrno de cinco a seis, três ou quatro dos quais em regime de dedicação plena. Por aí se avalia a atmosfera de intimidade em que se estabe­leciam as relações entre mestre e estudantes. Isócrates soube aproveitar-se disto para exercer, sôbre os discí­pulos, esta influência pessoal e profunda sem a qual não há ação pedagógica real. Neste particular, logrou sair­-se tão bem quanto Platão na Academia: êle próprio nos conta que a vida em comum, dentro de sua escola, apresentava a seus alunos tantos encantos, que êles encontravam, por vêzes, dificuldade em desligarem-se dela, ao terminarem os estudos; Timóteo ofereceu a Elêusis uma estátua de Isócrates, "para honrar não apenas sua grande inteligência, mas também o encanto de sua ami­zade. (p. 140-1)

Isócrates adota uma postura utilitarista, para ele o importante é fazer com que seus alunos alcancem o almejado sucesso político:

Isócrates podia, realmente, orgulhar-se de sua obra; uma vez chegado ao têrmo de sua carreira, êle havia, em certo sentido, realizado seu sonho: ser o educador de um nôvo corpo de políticos, dotar sua pátría ateniense das condições de que carecia para consumar a difícil 'recuperação nacional que acalentava, desde o revés de 404, na perspectiva de desempenhar o papel de grande potência, a que não queria renunciar. (p. 141)


O humanismo de Isócrates

Essa pedagogia traz as suas conseqüências:
 
Também neste ponto temos a impressão de chegar ao limiar de uma época e de um mundo nôvo: numa tão formal tomada de posição, já se exprime todo o ideal dos tempos helenisticos: a cultura como bem su­premo. .. Mais ainda: esta cultura nacional é, sem dú­vida, obra de todos os gregos, de tôda a história, de tôdas as cidades gregas; ela é, porém, a um grau eminente, obra de Atenas, "escola da Grécia", como Isócrates gosta de repetir com Tucídides. Sua ver­dadeira grandeza reside nesta superioridade que se ma­nifesta no plano cultural; dai a atitude política de Isócrates: uma Atenas à mercê dos demagogos, que se torna inimiga de seus melhores filhos, de uma elite sôbre a qual repousa sua cultura e, portanto, sua glória, uma Atenas degenerada não seria mais Atenas, não te­ria mais nada a defender, nem mereceria mais ser de­fendida. (p. 143)

Porém sua contribuição não pode ser menosprezada:

Assim, pouco a pouco, entre as mãos de Isócrates, a retórica transmuda-se em ética. Sem dúvida êle se recusa a compartilhar daquilo que acredita ser uma ilu­são dos socráticos, a saber, que a virtude se possa ensinar e que seja da ordem do conhecimento: pelo menos, está persuadido de que aplicar o pensamento a um grande tema, digno dêle, é um meio seguro de contribuir para a educação do caráter, do senso moral, da nobreza de alma: "Uma palavra verídica, conforme à lei e justa, é a imagem de uma alma boa e leal." Por esta im­perceptível extrapolação da literatura para a vida (admi­tindo-se que os hábitos morais contraídos em uma se transfiram, necessàriamente, para a outra), por todo êste idealismo simples, por esta ilimitada confiança nos podêres do verbo (estamos a mil léguas dos angustiosos problemas que debatem, a respeito da linguagem, homens como J. Paulhan e B. Parain), Isócrates aparece, real­mente, como a fonte de tôda a grande corrente do hu­manismo escolar. (p. 145)

As duas colunas do tempo

Há uma grande rivalidade entre este e Platão, porém não é possível resumir em cada um todo o conjunto da “escola” que cada um representa:

Seria extremamente interessante - mas, creio que, no estado atual de nossa documentação, isto seja, de fato, impossível - reconstituir a história, presumivelmente complexa e matizada, de suas relações. Elas passa­ram por uma evolução. Cada um dêles não tinha apenas um adversário único. Isócrates não era tôda a retórica: vimo-Io opor-se à pura sofística de um Alcídamas. Pla­tão não era tôda a filosofia: os "erísticos" que Isócrates combate talvez sejam também, ou sobretudo, os Megá­ricos ou Antistenes. Entre os chefes das duas facções foi possível estabelecerem-se aproximações e alianças, para a luta contra um mesmo inimigo: uma frente comum dos Dogmáticos contra a crítica dissolvente da escola de Mé­gara, e mesmo uma frente dos "Ideólogos" ou apóstolos da alta cultura contra o espírito estreito dos políticos realistas. (p. 142)

Aqui podemos verificar como um educador eficiente pode conseguir sucesso. Esse sucesso se mede pela capacidade deste em formar políticos de sucesso. Em nossos dias a escola de Isócrates seria comparável a uma escola que consegue fazer com que seus alunos passem na vestibular nas universidades mais importantes e competitivas do país ou de uma universidade que tem nos cargos mais importantes da nação ex-alunos seus. Mas tudo isso tem um preço e só quem pode pagar preços muito altos podem ter acesso, o que irá servir a manutenção do estatus quo.

MORROU, Henri-Irénée. Os mestres da tradição clássica: II. Isócrates. In: ___. História da educação na antiguidade. São Paulo: EPU, 1975. p. 130-163.

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