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sexta-feira, 19 de abril de 2013

DA PEDERASTIA COMO EDUCAÇÃO


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O amor grego, companheirismo guerreiro

Eis aí uma temática que nos chama atenção. Em nossa época a figura do guerreiro é freqüentemente associada a do homem heterossexual que age de maneira bruta e incessível com os outros. Essa figura não pode demonstrar nenhum tipo de afeto, principalmente com relação a outro homem. É de conhecimento geral a visão preconceituosa em relação ao homossexualismo. A primeira coisa a ser esclarecida é que a pederastia na antiguidade grega não corresponde integralmente ao homossexualismo de nossos tempos, não se trata de sinônimos. A relação pederástica tinha um papel pedagógico, não durava para toda a vida e não desobrigava de contrair matrimônio. A pederastia tinha como principal finalidade educar heróis, heróis na visão homérica, capazes de cumprir seus deveres civis e militares de forma cavalheiresca. Tudo isso não significa que essas relações fossem desprovidas de sentimentos: o afeto, o companheirismo tinham um papel importante, afinal era através disso que o jovem se ligava ao mais velho e, por conseqüência, as lições por este ensinadas.

A moral pederástica

Como já se disse a pederastia não se limitava a uma relação carnal, mais do que isso, era através dela que se dava a moralização.

Inicialmente, o amor grego contribuiu para dar sua forma ao ideal moral que se arroga tôda a prática da educação helênica, ideal cuja análise comecei a propó­sito de Homero: o desejo, no mais velho, de afirmar-se aos olhos de seu amado, de brilhar diante dêle, e o desejo simétrico, no mais môço, de mostrar-se digno de seu amante, só lograram reforçar, num e noutro, êste amor da glória que todo espírito agonístico exaltava por tôda parte: a ligação amorosa é o terreno de escolha em que se depara uma generosa emulação. Por outro lado, é tôda a ética cavalheiresca, fundada sôbre o sentimento de honra, que reflete o ideal de um companheirismo de combate. A tradição antiga é unânime em ligar a prá­tica da pederastia à bravura e à coragem. (p. 55)
           
O amor viril, método de pedagogia

Nesse contexto educativo o educador (erasto) tem que se apresentar como um modelo para o seu educando (erômeno) a fim de que este deseje se igualar ao primeiro.

A relação passional, o amor (que Sócrates já distingue do desejo sexual e a êle opõe) implica o desejo de assomar a uma perfeição superior, a um valor ideal, [...]. Não me refiro ao efeito nobilitante que pode exercer sôbre o mais velho, sôbre o erasto, o sentimento de ser admirado: o aspecto educativo da ligação amo­rosa concerne, evidentemente, sobretudo ao parceiro mais jovem, ao erômeno adolescente. (p. 57)
           
Tudo isso para que se projete a imagem de que o “mais velho é o herói, o tipo superior pelo qual é preciso modelar-se, a cuja altura procurará o outro, pouco a pouco, alçar-se.” (p. 57) Assim como no mais moço surgia um sentimento de admiração o mais velho passava nutrir um certo sentimento de paternidade:

no mais velho desenvolvia-se um sentimento com­plementar: a teoria socrática é ilustrada, à luz da tra­dição, por uma copiosa série de anedotas simbólicas; respondendo a êsse apêlo, o mais velho sentia nascer em si uma vocação pedagógica, fazia-se mestre de seu amado, apoiando-se sôbre esta nobre necessidade de emula­ção. Descreve-se freqüentemente o Eros grego como uma simples aspiração da alma, inflamada de desejo, para aquilo que lhe falta; da parte do amante, o amor arcaico participa, entretanto, também, [...], por esta von­tade de enobrecimento, de dom de si, por êste matiz, para dizer tudo, de paternidade espiritual. É este senti­mento, tão minuciosamente analisado por Platão, acla­ra-se à luz de uma análise freudiana: é, evidentemente o instinto normal da procriação, o desejo apaixonado de perpetuar-se num ser semelhante a si que, frustrado pela Inversão, se inclina e se manifesta sôbre êste plano pe­dagógico. A educação do mais velho aparece como um substitutivo, um Ersotz esdrúxulo do parto: "O objeto do amor (do amor pederástico) é procriar e dar a luz dentro do Belo. (p. 57-58)

Esse processo, estranho para nós, era comum na Grécia antiga como nos relata Morrou em um comentário cheio de preconceitos: “Se me pus a desdobrar ao leitor uma análise tão paciente destas monstruosas aberrações, deve-se isto ao fato de tal ter sido, para um grego, modo normal, a técnica-padrão de tôda educação” [...] (p. 58)

Mas e a família, tinha alguma participação?

A família não podia constituir o plano da educação: a mulher, apagada, só é julgada competente para a cria­ção do bebê; a partir dos sete anos a criança lhe é reti­rada. Quanto ao pai (não devemos esquecê-Io: estamos na origem de um meio aristocrático), é monopolizado pela vida pública: êle é cidadão, homem político, antes de ser chefe de família. Releiamos, a propósito disto, o curioso testemunho que oferece Platão no início do Laques: mostra-nos êle dois pais de família vindo con­sultar Sócrates a respeito da educação de seus filhos; a dêles fôra lamentàvelmente negligenciada: "Censuramos nossos pais, que nos deixaram sem freio em nossa ju­ventude, por estarem ocupados com os místeres dos outros." Trata-se do grande Aristides e de Tucídides, o filho de Melésias, que foi o líder aristocrático oposto a Péricles e a quem o povo de Atenas fulminou com o ostracismo em 443. Tampouco podemos admirar-nos de que o mesmo Platão declare, alhures, com ênfase: a ligação pederástica estabelece, no par de amantes, "uma comunhão muito mais estreita" [...] do que a que une os pais aos filhos. (p. 58)

E a escola?

A educação não era tampouco assegurada pela es­cola: na época arcaica, esta não existia; e, depois de criada, permaneceu um pouco desprezada, desqualificada, porque o mestre era pago pelo seu serviço, restringida a um papel técnico de instrução, não de educação. (p. 58-9)

A educação nobre no final do século VI

Êste traço é tanto mais acentuado quanto a educa­ção grega clássica conserva alguma coisa da herança da aristocracia arcaica. Ela havia sido elaborada, originariamente, em função das necessidades de um meio rico, vivendo nobremente, livre de qualquer preocupação de equipar tecnicamente a juventude com vistas a um ofício, a um ganha-pão. Além do que, a educação era, preci­puamente, de ordem moral: formação do caráter, da personalidade, cumprindo-se no quadro da vida elegante, esportiva e mundana ao mesmo tempo, sobe a direção de um mais velho, dentro de uma amizade viril. (p. 59-60)­

Suas sobrevivências: relações entre mestre e aluno

Podemos verificar que nessa forma de educação é o mestre que escolhe o se pupilo e que aquele mestre que “vende” o seu saber para quem o quiser é desprezado

Durante muito tempo, a inexistência de instituições propriamente educativas fêz com que um só tipo de educação aprofundada pudesse existir: o que assim ligava o discípulo ao mestre que o distinguira chamando-o a si, que o escolhera. Salientemos o sentido em que se exercia a vocação: é um apêlo dirigido pelo mestre, do alto, àquele a quem êle julga digno disto. Por muito tempo, a opinião pública antiga desprezará o professor que faz comércio, oferecendo seu saber ao primeiro com­prador: a comunicação da ciência deve ser reservada a quem a merece. Havia nisso um senso profundo da eminente dignidade da cultura, de seu necessário eso­terismo: senso que hoje perdemos no Ocidente, embora subsista nas sabedorias orientais, a começar pela do Islã, onde se conserva bem viva a idéia platônica da superioridade do ensino oral sôbre o escrito, que é im­pessoal. (p 61)

Outra característica que nos chama a atenção é a que está expressa nas últimas frases da citação anterior “a educação a quem a merece”, concebia-se que apenas os nobres cidadãos mereciam educação.

E os filósofos?

Entre os filósofos, bastaria evocar a lembrança de Sócrates, que atraía e retinha a fina flor da juventude dourada de Atenas, pelo "visco" da paixão amorosa, apresentando-se como perito em coisas do eros. Mas seu exemplo não aparece isolado: Platão foi amante ­e, ao que consta, não apenas "platônico" - de Aléxis ou de Díon; a sucessão dos escolarcas de sua Academia fêz-se, durante três gerações, de amante para amado, porque Xenócrates foi amante de Pólemon, e Pólemon o foi de Crates, como Crântor o foi de Arcesilau. E isto não era exclusividade dos platônicos: Aristóteles foi amante de seu aluno Hérmias, tirano de Atárnea, ao qual imortalizaria com um hino célebre -, nem úni­camente dos filósofos, porque relações análogas uniam os poetas, os artistas e os sábios: Euripedes foi amante de Agaton o trágico, Fidias o foi de seu aluno Agorá­crito de Paros, o médico Teomedonte do astrônomo Eu­doxo de Cnidos. (p. 61-62)

Então, como podemos verificar, os filósofos eram pederastas. Os educadores que não eram pederastas eram os sofistas.

Safo educadora

A educação feminina também tinha o seu espaço.

Permitem-nos êles entrever que, em Lesbos, ali pelos fins do sétimo século, as jovens podiam receber um com­plemento de educação, entre o tempo da infância, pas­sado em casa sob a autoridade da mãe, e o do casamento. Essa educação superior cumpria-se numa vida comuni­tária no seio de uma escola - a "morada das discípulas das Musas" -, que se apresenta, juridicamente, sob a forma (que será também, a partir de Pitágoras, a das escolas filosóficas) de uma Confraria religiosa [...] dedicada às deusas da cultura. Ali, sob a direção de uma mestra, cujo tipo Safo gravou no retrato que pinta de si mesma, sua jovem personalidade configura-se num ideal do belo, aspirando à Sabedoria. Tecnicamente, essa escola equivale a um "Conservatório de Música e Declamação": pratica-se aí a dança coletiva, herdada da tradição minóica, a música instrumental, e, sobretudo, a nobre lira, assim como o canto. A vida comunitária é ritmada por tôda uma série de festas, ceri­mônias religiosas ou banquetes. (p. 62-63)

Nessas escolas também eram palco de relações amorosas entre mestra e discípulas

Enfim - e aqui reencontramos o tema do presente capitulo -, também esta educação não deixa de ter sua chama passional, pois entre mestra e discípula aperta­-se o elo ardente de Eros. Na verdade, é isto o que sabemos melhor a seu respeito, pois, em última análise, só percebemos tôda esta pedagogia através do eco das paixões experimentadas pelo coração de Safo, através dos gritos lancinantes que a dor lhe arranca quando ela é apartada, pelo casamento ou pela traição, de alguma de suas alunas e amadas. O amor sáfico não recebeu ainda, aqui, a transposição metafisica que receberá, em Platão, a pederastia, convertida numa aspiração da alma à Idéia: é ainda, apenas, uma paixão humana, ardente e frenética: "Eros de nôvo, êste quebra-ossos, atormen­ta-me, Eros amargo e doce, a invencível criatura, oh minha Átis! E tu, enfastiada de mim, foges para An­drômeda." (p. 63-64)

E pelo que podemos verificar havia escolas para moças concorrendo entre si

Só conhecemos a tíase lesbiano por um acaso aquêle mesmo que dotou de gênio a alma ardente de Safo: mas seu exemplo não parece isolado: sabemos que ela teve, em sua época, algumas concorrentes, rivais no plano profissional: Máximo de Tiro conservou-nos o nome de duas destas ‘diretoras de pensionatos para senhoritas’, Andrômeda e Gorgona. O ensino feminino, por muito tempo ofuscado – ao menos em nossa documentação – em virtude da predominância masculina na civilização grega, só torna a aparecer novamente às claras muito mais tarde, pouco antes de abrir-se a época helenística. (p. 64)

A pederastia era o método educativo utilizado pelos nobres. O Educador, o erasto, escolhia um jovem a quem se dedicava educar. Num primeiro momento não existem educadores profissionais e quando este começam a aparecer há um descrédito para com eles, exatamente por cobrarem. E, por último, a educação das moças se dá em instituições específicas (confrarias), o texto nos leva a supor que havia alguma forma de pagamento para a manutenção desta, mas não há registro de como e quanto isso representava.

MORROU, Henri-Irénée. Da pederastia como educação. In: ___. História da educação na antiguidade. São Paulo: EPU, 1975. p. 51-65.

2 comentários:

  1. Na década de 1980 quando eu cursava Filosofia, li um livro sobre a Grécia antiga, onde falava sobre a PEDERASTIA e a PEDOFILIA. O autor do referido livro dizia que os termos"Pederastia" e Pedofilia" não tinha o mesmo significado que tem hoje. Na Grécia antiga a "pedofilia significava o amor que o mestre tinha por seu aluno, no caso uma criança, enquanto "Pederastia" significava o amor que o mestre tinha por seu discípulo, um jovem. Não tinha na época nenhuma conotação sexual, mas um sentimento de amizade, de amor fraterno.
    Se alguém conhece esse livro, por favor me informe que eu ficaria muito grato, pois não me lembro do nome nem o autor deste livro, que eu, na época vi em uma livraria na rua 7 de setembro em Recife. A livraria não existe mais.
    Se alguém puder me ajudar me envia informações para :
    leviaraujo53@gmail.com

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    1. Querido amigo!
      Eu começaria a busca pela obra citada acima "História da educação na antiguidade", de Henri-Irénée Morrou. O livro é dividido em três partes, sendo as duas primeiras dedicadas à Grécia. Trata-se de um texto feito nos moldes antigos, com muitos detalhes e com a citação de muitas obras.
      Um abraço!

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