Páginas

domingo, 22 de setembro de 2013

A EDUCAÇÃO NO SETECENTOS


http://revolucaoemfranca.blogspot.com.br/

O fim do Seiscentos e o início do Setecentos conheceram outros temas de reflexão e outras tentativas de ação além daquelas que vimos no esforço de Comenius para uma sistematização definitiva do saber a ser transmitido com oportunos métodos didáticos às crianças através do velho instrumento da língua latina, e nas iniciativas, realizadas na república inglesa puritana, de escolas caracterizadas pela modernização da instrução considerada como conteúdo "real" e "mecânico", isto é, científico-técnico, em vista de atividades trabalhistas ligadas às mudanças que vinham acontecendo nos modos de produção. (p. 227)

E o engraçado é que, como em Laputa, também na cidade de Lagado criam-se academias de inventores, todos dedicados às mais estranhas pesquisas: extrair raios de sol de abóboras, fazer voltar os excrementos humanos aos alimentos originais, calcinar o gelo para extrair dele pólvora de tiro, construir casas começando pelo telhado, arar a terra com os porcos, utilizar as teias de aranha para fazer tecidos e assim por diante. Mas é especialmente digna de observação a "máquina para aprender", um grande quadrado com uma rede de quadrinhos móveis onde estão escritas todas as palavras em todas as suas flexóes: fazendo-o rodar através de manivelas, ele dá todas as possíveis formações de frases insensatas, que são escrupulosamente coletadas e decoradas. É o typographeum vivum de Comenius, visto por um espírito extravagante.
Ainda no âmbito das viagens reais ou imaginárias para a descoberta de novos costumes, podemos lembrar que na França, em 1721, isto é, alguns anos antes do Robinson e do Gulliver, tinham sido publicadas as Lettres persanes de Montesquieu, que, derrubando os esquemas tradicionais, imaginava a viagem de um estrangeiro na França e se divertia em observar através de seus olhos desencantados os costumes habitualmente considerados normais. Então o seu persa escreve a um seu correspondente na Pérsia estas impressões sobre as escolas francesas:
"Em Paris, meu caro Rhedi, existem muitos ofícios. .. um número infinito de mestres de línguas, de artes e de ciências, ensinam aquilo que não sabem; e é prova de talento verdadeiramente admirável, porque é preciso' pouca inteligência para mostrar aquilo que se sabe, mas precisa-se inteligência infinitamente superior para ensinar aquilo que se ignora" (Carta 58). (p. 238)

Na França, Mably, irmão de Condillac, no seu De Ia législation ou principes des lois (1776), imaginando um diálogo entre um inglês e um sueco, trata difusamente das leis relativas à educação que a república deve dar aos cidadãos e fala com desprezo dos
"mestres mercenários, cujo objetivo é ensinar penosamente num college um pouco de péssimo latim e muitas tolices" (p. 372);

e concluía categoricamente que
"não cabe a pedantes, que não têm idéia alguma da sociedade nem dos recursos que a dinamizam e a fazem florescer, ambicionar a honra de educar os cidadãos" (p. 373). (p. 246)

Na Itália, o domínio napoleônico modificou o sistema da instrução, embora as mudanças introduzidas não fossem muito significativas. Se, por exemplo, lemos as Istruzioni per le scuole elementari, emanadas em 1812, em Milão, pelo diretor-geral da instrução pública (esta Direção Geral era apenas um departamento do Ministério do Interior), notamos um certo progresso em relação às "escolas cristãs", mas também uma tenaz conservação dos velhos motivos:
"22. III, Deveres dos mestres - Hão de ter especial atenção em ensinar aos alunos os princípios da religião, insinuar neles a grati­dão para com os pais e o amor à arte para a qual os próprios pais pretendem destiná-Ios, e que ordinariamente é a deles". (p. 254)
Religião, portanto, com a reza obrigatória das orações (27), apesar dos temores em contrário manifestados por Pio VII, e trabalho artesanal entendido quase como uma predestinação natural. E, naturalmente, a política imposta:
"23. Os mestres devem instilar no coração de seus alunos o amor ao Rei e à ,Pátria, a obediência às Leis, o respeito aos Magistrados e a gratidão que eles devem especialmente àqueles que procuram para eles uma instrução gratuita e fazem de tudo para enobrecer seus alunos. Em cada escola, portanto, os Municipios providenciem que haja a imagem do Rei". (p. 254)
Com maior equilíbrio e maior senso da história, intervinha, nos anos napoleônicos, Vincenzo Cuoco. No seu Rapporto ai re (de Nápoles, Giacchino Murat) de 1809, ele, como Filangieri e Galdi, distinguia as estruturas de uma instrução segundo as classes sociais, mas queria que fosse "universal, uniforme e completa": sem confundir, porém, unifor­midade com igualdade:
"É necessário que exista uma instrução para todos, uma para muitos e uma para poucos. Portanto, a instrução pública seria dividida em sublime, média e elementar. A primeira não deve fazer do povo tantos sábios, mas ~eve instruí-Io tanto quanto baste para que possa tirar provei.to dos sábios" (p. ,5-6). (p. 256)
Sua conclusão lança uma sombra sobre este projeto iluminado e moderado, pois, mostrando-se muito ligado aos tempos e insensível à utopia, tenta justificá-Io com o seguinte objetivo, aliás bastante contin­gente:
"fazer uma guerra eficaz aos soberbos manufatureiros (ingleses),
inimigos de todo o continente, que se tornaram potentes exclusiva­mente pela indolência dos outros povos" (p. 100). (p. 256)
Nos anos da Revolução Francesa vinha-se afirmando na Inglaterra
uma nova iniciativa educacional, promovida por particulares: o chamado "ensino mútuo" ou "monitorial", no qual alguns adolescentes instruídos diretamente pelo mestre, atuando com variedade de tarefas como auxi­
liares ou monitores, ensinam por sua vez outros adolescentes, supervi­
sionando a conduta deles e administrando os materiais didáticos.
Embora pudéssemos citar, um pouco arbitrariamente, exemplos
antiqüíssimos a partir de Licurgo e Quintiliano, ou mais recentes, como
os exemplos franceses de Herbault em 1747 ou de Paulet, apoiado por Luís XVI em 1772, ou ainda o exemplo de Walafried Strabo e os alunos "oficiais" das escolas cristãs, a sistematização didática rigorosa e a difusão em vista de um plano nacional de instrução popular começou (discute-se quanto à precedência) por obra do pastor anglicano Andrew Bell (1753-1832), que, a partir de 1789, dirigiu em Madras uma escola instituída pela Companhia das índias Orientais para os filhos de seus soldados europeus, e por obra do quaker Joseph Lancaster (1778-1838), que em 1798 abriu em Londres uma escola para crianças pobres. (p. 256-257)

Em 1797, Bell publicava seu livro An experíment ín educatíon, isto é,
"Um experimento de instrução, realizado no asilo masculino de Madras, que sugere um sistema segundo o qual uma escola ou uma família pode instruir a si mesma sob a superintendência de um mestre ou de um parente", (p. 257)

Em um único local bem grande, em cujo modelo ideal constam três grandes naves divididas por colunas ao longo das quais estão dispostos em quadrado os bancos das várias classes, os alunos, sentando um ao lado do outro de acordo com o mérito e o aproveitamento, são confiados aos monitores. O mestre
"está na extremidade da sala sentado sobre uma cadeira alta. Supervisiona toda a escola, e especialmente os monitores. Vigia as divisões quanto à instrução, examina uma ou duas vezes por semana cada classe, assiste às repetições dirigidas pelos monitores" (p. 22). (p. 259)

As lições são de um quarto de hora nas classes inferiores e de meia hora nas superiores; os exercícios são breves e fáceis. Nelas finalmente está associada a aprendizagem do ler e do escrever e se utilizam materiais didáticos novos; particularmente, os livros são eliminados, pelo menos por Lancaster, até às últimas classes, e para escrever os alunos recebem uma tabuinha com areia, onde escrevem com o dedo, e uma pequena lousa. Para ler, os. alunos se agrupam em semicírculo na frente de grandes lousas ou "quadros", pendurados nas paredes, e tudo se desenvolve com rigorosa disciplina:
"1. Os monitores de classe ditam o conteúdo dos quadros onde estão escritas as lições, e os alunos escrevem em suas lousas; 2. Os alunos lêem seus quadros suspensos na parede; 3. O monitor interroga um número de alunos da divisão e manda repetir de voz e de cor os exercícios anteriores" (p. 35).

MANACORDA, Macio Alighiero. A educação no setecentos. In: ______. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1996. p. 227-268.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você recebeu um comentário.