Páginas

domingo, 25 de agosto de 2013

A EDUCAÇÃO NA ALTA IDADE MÉDIA


http://ebvpancora5b.blogspot.com.br/2010_05_01_archive.html

O autor inicia o presente capítulo apresentando de forma sucinta as condições da sociedade do século VI:

No início do século VI verificam-se fenômenos políticos significati­vos. De um lado, alguns reinos romano-bárbaros já se implantavam fir­memente em territórios do Império do Ocidente, onde a única autori­dade política autenticamente romana é a Igreja e especialmente o papa­do; de outro lado, o Império do Oriente conserva ainda a sua unidade e a sua força, o que lhe permitirá tentar a reconquista do Ocidente. Estes três centros de poder, tão diferentes entre si, se enfrentarão numa complexa luta ideológica e militar. (p. 111)

O fim do Império Romano colocou em xeque diversas instituições e seguimento sociais dentre os quais os professores, em alguns houveram medidas com a finalidade de garantir estas instituições e seguimentos: “Na Itália, entre os ostrogodos, Teodorico procurou. garantir as con­tribuições anonárias aos profissionais das artes honestae, entre os quais os mestres de gramática e de retórica, reservando, porém, a cultura das artes liberais aos romanos [...]” (p. 111).

Porém nada será como antes. A cultura clássica perde seu espaço e os profissionais ligados a ela por sua vez ficam em dificuldades, com algumas exceções

O repúdio e o esquecimento da cultura clássica já são um fato consumado. As escolas de artes liberais tiveram, pelo menos na Itália, os seus últimos esplendores sob Teodorico, que interviera em seu favor; em seguida, após a destruição da guerra greco-gótica, Justiniano, solici­tado pelo papa Vigílio, renovou as providências do rei bárbaro. Na sua Pragmática Sanção, de 554, com que sancionava o renovado (e caduco) domínio imperial na Itália, reconfirmava "as contribuições anonárias que, nos tempos de Teodorico, costu­mavam ser pagas aos gramáticos ou aos retores, como também aos médicos e aos jurisperitos que tivessem continuado a exercer sua profissão, para que em nosso Estado floresçam jovens instruídos nos estudos liberais" (Nov., App., VII, 22). (p. 113)

Nesses momentos as organizações ligadas a Igreja se constituíram o espaço formativo dos jovens, mas nesse espaço também acaba por ser, muitas vezes o fim para o qual a formação levará o indivíduo

Mas quantos teriam sido os gramáticos e os retores a exercer a profissão e quantos jovens teriam se dedicado aos estudos liberais? Cas­siodoro (ou o próprio Teodorico, pela pena de Cassiodoro) já deplorara que tantos jovens, terminados os estudos das letras, acabassem num mos­teiro ou voltassem às suas propriedades:
"estudam para depois desaprender; instruem-se para depois se descuidarem" (Variae, VIII, 31). (p. 113)

Aos poucos os últimos resquícios da cultura clássica irão findar “E esta cultura irá findando lentamente até para os próprios romanos: o último ludimagister se encontrará na Aquitânia, no século VII.” [...] (p. 114)

Na medida em que a Igreja vai assumindo o papel educativo ela começa a preparar o seu pessoal para tal função e para tanto foi buscar inspiração no povo hebreu:

Já em 418, o papa Zózimo instituira as primeiras escolas religiosas, para que, dizia, os sacerdotes aprendessem antes de ensinar. De fato, a tarefa dos sacerdotes, já claramente distinta da dos leigos (clero significa parte eleita, separada), é de ensinar: uma função que, diversamente dos antigos levitas do povo hebraico, não é conquistada exercendo primeiramente a "força das armas”. O "dizer" e o "fazer" aqui são nitidamente distintos: isto é típico da sociedade cristã. Contudo, o modelo organizacional destas escolas para a formação dos sacerdotes-mestres é exatamente a escola hebraica. O modelo dos hebreus está conscientemente presente, por exemplo, no Ambrosiaster (como foi chamado por Erasmo o desconhecido autor do Comentário às cartas de Paulo anteriormente atribuído a Santo Ambrósio), onde se fala dos
"mestres que costumavam instruir as crianças no alfabeto e nas letras, como é costume dos hebreus, cujas tradições passaram para nós e que, em seguida, por nossa negligência, caíram em desuso" (f. L. XVII, 387).
(p. 114-115)

E também em outro lugar lembra esta derivação da escola cristã da escola hebraica: "Chama doutores àqueles que na igreja ensinavam às crianças as letras e as leituras a serem decoradas, segundo o costume da sina­goga, já que a tradição deles passou para nós" (II, 141). (p. 115)

O exemplo da sinagoga passou, portanto, à Igreja, como também da sinagoga passou para a Igreja o uso de decorar as paredes com afrescos ilustrando episódios da vida de Moisés e de Cristo, para fins de acul­turação ou de edificação. Talvez seja excessivo atribuir à escola da si­nagoga o mérito de ter realizado pela primeira vez na história um sistema de instrução pública e obrigatória (tal foi também, de certo modo, o ginásio para os gregos da diáspora), todavia o cristianismo, fundado na tradição hebraica, marca uma nítida separação da antiga tra­dição que excluía as classes populares da instrução. A ordem "euntes docete omnes gentes" caracteriza uma nova atitude mental: todos devem ser, se não cultos, pelo menos aculturados, através de um processo que hoje chamaríamos institucionalizado, e a cada um deve ser aberto o acesso àquela corporação de mestres que é o clero. A nova tradição cristã ignorará durante séculos, pelo menos em princípio, qualquer ostra­cismo aos "meduti", aos "lobetéres", aos "rbetores latini", que expressa­va a discriminação educativa de outras sociedades.
(p. 115)

E a Igreja passa a constituir espaços educativos que venham a suprir a ausência das antigas escolas romanas, começa pela escola episcopal:

Por exemplo, na Espanha, o Concílio de Toledo, de 527, decide:
"As crianças destinadas por vontade dos pais, desde os primeiros anos da infância, à missão do sacerdócio, logo que sejam tonsura­das ou recebidas para exercer os ministérios eclesiásticos, devem ser instruídas pelo preposto na casa da igreja, à presença do bispo" (VIII e 785). (p. 116)

Em seguida a escola paroquial:

Dois anos mais tarde, o Concílio de Vaison, na França, estabelece
"Todos os padres constituídos para presidir as paróquias, seguindo o hábito que é oportunamente observado na Itália, acolham suas próprias casas leitores mais jovens e procurem, alimentando-os espiritualmente como bons pais, ensinar-lhes os salmos, acostumá­-los às divinas leituras e instruí-Ios na lei do Senhor, de modo que possam providenciar bons sucessores para si mesmos e, assim, re­ceber de Deus os prêmios eternos" (Cone. Gal/., p. 78).(p. 116)

E nos mosteiros a educação continua se dar onde "por três horas as criancinhas, na sua década, sejam instruídas em suas tabuinhas por um monge letrado; também os adultos analfa­betos, até os cinqüenta anos, aprendam as letras” (Masai, L, p. 247); (p. 120).

Houveram algumas discussões a respeito dos conteúdos, pagãos (ligados a civilização grego-romana) e religiosos (sobretudo as Escrituras), mas essa discussão logo tem fim e começa-se a constituir o modelo de escola que se configurará como o mais importante dessa época:

Meio século mais tarde, porém, Cassiodoro, que, como sabemos, exerceu na corte do rei ostrogodo Teodorico aquele aspecto cultural do poder (o "dizer" que permanecera confiado aos romanos, e que em 540 fundará em Vivarium, na Calábria, um mosteiro que prefigura aquelas escolas cenobiais que se tornaram os grandes centros de cultura da Idade Média, tomou uma posição mais equilibrada, tentando conciliar classicismo e cristianismo. Ele convidava os magistri saecularium lilte­rarum, que ainda subsistiam, a reconhecer que nas Sagradas Escrituras era possível encontrar todas as figuras retóricas que se ensinavam em suas escolas [...]. (p. 123)

Mas o público dessas escolas não é o mesmo de antes

Se as paróquias e os cenóbios são a nova escola, e se os presbyteri e os priores fratres são os novos ludimagistri, seus discípulos, porém, não são mais os grandes filhos dos grandes centuriões, como ironizara Horácio, mas as crianças de origem humilde e, freqüentemente, escra­vas de ultramar resgatadas pelos conventos. A Vila Amandi lembra que o santo:
"resgatava crianças de países ultramarinos e as fazia adequadamen­te instruir nas letras" (MGH, SRM, V p. 428). (p. 128)

Porém o “pessoal docente é escasso e carece de formação:

Como se vê, a utilidade do pároco e a segurança da igreja exigiam que não faltassem sacerdotes. Estes, como nos séculos precedentes, pa­rece que não eram muito instruídos, já que o concílio de 633 tem de recomendar uma vez mais que "os sacerdotes tenham conhecimento das escrituras e dos câno­nes" (c. 25), e que no ato da ordenação recebam o livro com o ofício, "para que, bem instruídos, saibam dirigir as igrejas a eles con­fiadas" (c. 26).
Devido, portanto, à ignorância e, talvez, à escassez dos sacer­dotes, procurava-se instruí-los criando nas paróquias verdadeiras escolas e recrutando libertos, para que fossem ao mesmo tempo clérigos e servos. Um pouco como acontecia e acontecerá na relação de aprendi­zagem artesanal, em que cada mestre de ofício forma o seu jovem aprendiz. Talvez, além do espírito de filantropia e proselitismo, tam­bém este fosse o estímulo a induzir os mosteiros da Germânia a resga­tar meninos escravos, para educá-los nos mosteiros. (p. 129)

Igreja e Estado tem dúvidas sobre com quem o dever de instruir o povo deve ficar

Na Itália, alguns anos mais tarde, em 825, Lotário, porém, com o Capitulare olonense, libera completamente a Igreja da função de instruir os leigos, instituindo aquela que poderíamos definir como uma escola pública de Estado, a ser organizada em sedes mais adequadas (in con­gruentissimis sedibus); elas são indicadas nas cidades de Turim, Pavia, Cremona, Florença, Fermo, Vicenza, Cividale e Ivrea, onde, porém, a iniciativa ficou aos cuidados do bispo. O exemplo da Itália é logo se­guido na França, onde, no Concílio de Paris, em 829, são os próprios bispos que solicitam a Lotário que o clero não seja obrigado a providenciar a instrução dos leigos, mas que
"seguindo o costume do pai, pelo menos nas três sedes mais im­portantes do império fossem criadas escolas públicas por vossa iniciativa" (Can., XII).
(p. 133)

Porém uma das partes resolve sua “dúvida”: “Logo, porém, a Igreja modificará radicalmente essa política, avo­cando para si qualquer iniciativa em matéria de educação.” (p. 133) A Igreja assume de vez esse papel e mais adiante irá fazer algumas distinções entre a educação dos leigos e a educação dos futuros sacerdotes

Mas no momento, se o papado romano volta, após os tempos de Gregório Magno, a ocupar-se destes problemas, o faz visando a forma­ção dos clérigos e muito pouco a dos leigos. Todavia, exatamente sob o papado de Eugênio II (824-827), inaugura-se a legislação pontifícia sobre as escolas episcopais, que depois entrará nos Decretalia, isto é, no corpus iuris da Igreja, e vigorará até a XXIII Sessão do Concílio de Trento (1545-64), na qual serão instituídos os seminários para a formação dos religiosos. O Concílio romano de 826 sanciona:
"Chegam-nos de alguns lugares notícias de que não se encontram mestres e que ninguém se interessa pelo estudo das letras. Por­tanto, em todos os bispados, com suas respectivas paróquias e em outros lugares em que se fizer necessário, tomem-se todas as providências para nomear mestres e doutores que ensinem as letras, as artes liberais e os sagrados dogmas, pois nestes especialmente é que se manifestam os mandamentos de Deus" (Can. IV).
(p. 133)

MANACORDA, Macio Alighiero. A educação na Alta Idade Média. In: ______. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1996. p. 111-139.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você recebeu um comentário.