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domingo, 29 de setembro de 2013

A EDUCAÇÃO NO OITOCENTOS


http://cfblog6e.blogspot.com.br/2008/08/escolas-do-sculo-xix.html

Se consideramos as conquistas ideais da burguesia revolucionária (liberal-democrática) durante o Setecentos no que diz respeito à instrução, podemos sintetizá-Ias em poucas palavras: universalidade, gratuidade, estatalidade, laicidade e, finalmente, renovação cultural e primeira assunção do problema do trabalho. Até mais, relendo a discussão da Assembléia Legislativa na França em 1792, sobre os aspectos da instrução ("literária, intelectual, física, moral e industrial"), apesar da inevitável desconfiança perante tais classificações, poderemos reconhecer neles o eco de classificações mais antigas e os primeiros sinais de uma nova classificação. De fato, que outra coisa é a instrução literária, senão uma elaboração moderna da preparação formal para as artes do trívio (as letras são a gramática, essencialmente), e que outra coisa é a instrução intelectual senão a instrução concreta nas artes do quadrívio (as ciências naturais)? E a instrução física, o que é senão a preparação para o "fazer" da guerra, more Francorum? E a instrução moral, senão a "aculturação" nas tradições e nos costumes dominantes, até mediante um "catecismo republicano"? (p. 269)

Inicialmente nada: os trabalhadores perdem sua antiga instrução e na fábrica só adquirem ignorância. Em seguida, a evolução da "moderníssima ciência da tecnologia" leva a uma substituição cada vez mais rápida dos instrumentos e dos processos produtivos e, portanto, impõese o problema de que as massas operarárias não se fossilizem nas operações repetitivas das máquinas obsoleIetas, mas que estejam disponíveis às mudanças tecnológicas, de modo que não se deva sempre recorrer a novos exércitos de trabalhadores mantidos de reserva: isto seria um grande desperdício de forças produtivas. Em vista disso, filantropos, utopistas e até os próprios industriais são obrigados, pela realidade, a se colocarem o problema da instrução das massas operárias para atender às novas necessidades da moderna produção de fábrica: em outros termos, o problema das relações instrução-trabalho ou da instrução técnicoprofissional, que será o tema dominante da pedagogia moderna. Tentam-se, então, duas vias diferentes: ou reproduzir na fábrica os métodos
'''platônicos'' da aprendizagem artesanal, a observação e a imitação, ou derramar no velho odre da' escola desinteressada o vinho novo dos conhecimentos profissionais, criando várias escolas não só sermocinales, mas reales, isto é, de coisas, de ciências naturais: em suma, escolas cientioficas, técnicas e profissionais. (p. 271-272)

"Uma grande batalha entre as outras, e talvez a maior, foi em nossos dias travada e quase ganha: podemos dizer que a educação já foi tirada das mãos do clero...; e em nossos dias os seculares, antes que aprender, como faziam anteriormente, tudo dos padres, ensinam aos padres tudo, até a ser cristãos" (Fr. 1). (p. 276)

Efetivamente, a laicização ("secularização") e a estatização da instrução, iniciada no Setecentos (com todos os precedentes históricos mencionados) e continuada com a Revolução Francesa, se completa no Oitocentos e avança, pari passu, com a sua universalização. Essa foi uma batalha contra "a educação igrejeira", entre Estado e Igreja, mas não necessariamente entre cristãos e leigos, tendo em vista que aqui é o ca­tólico Capponi a proclamar seu sentido. (p. 276-277)

O período da Restauração viu as escolas voltarem ao domínio das Igrejas católicas ou reformadas. Assim foi na França sob os Bourbons restaurados, até quando, sob a monarquia orleanista, com Guizot, foi aprovada em 1833 uma lei que, atribuindo às comunas a instituição de escolas e o pagamento dos professores, reabria o processo de laicização e estatização. Assim foi, com características particulares, na Inglaterra, onde a controvérsia entre Bell e Lancaster se concluiu com o triunfo da tese anglicanista e, a partir de 1808, as escolas voltaram ao controle das paróquias. Assim foi nos vários Estados da península italiana. Somente a Prússia continuou em parte as tendências do absolutismo iluminado, quando, após a derrota de Jena em 1806, se compreendeu a necessidade de uma educação nacional e popular e Wilhelm von Humboldt, como ministro do Interior, confiou a educação às autoridades estatais locais (Schulvorstãnde e Schuldeputationen) e permitiu o ensino, anteriormente aberto a todo estudante de teologia, somente a quem tivesse superado um exame de Estado. Nessa base, a Prússia foi a vanguarda na organiza­ção da escola pública na Europa: em 1861, um sexto da população com­pletava nessas escolas a obrigatoriedade escolar; um resultado fraco em si, mas superior em relação aos demais países mais avançados da Europa:
1/7 na Inglaterra, 1/8 nos Países Baixos, 1/9 na França e percentuais bem mais baixos nos outros países católicos. Não é por acaso que depois se afirmou que as vitórias militares prussianas de 1866 e de 1870 foram as vitórias do mestre-de-escola, tanto que os demais Estados se decidirão a percorrer mais energicamente os caminhos da estatização da instrução.
Quanto à Itália, basta voltar ao período da restauração para aquilatar os recuos, os conflitos e os progressos da instrução na primeira metade do século. A situação dos Estados sabáudos (Savóia, Piemonte, Ligúria e Sardenha) é típica, onde o edito de maio de 1814 revigorava as constituições de 1771 e o regulamento escolástico de 1782, abolindo toda a legislação escolástica francesa. No lombardo-veneto austríaco o regulamento das escolas elementares de 1818, apesar de alguma inovação, como a instituição de uma 4.3 série elementar que objetivava introduzir para uma escola técnica - que nunca foi criada -, removeu os docentes do período francês e reintroduziu o catecismo católico no lugar dos catecismos republicanos. O posterior regulamento dos estudos de 1822, sempre no Piemonte, previa escolas comunais gratuitas, que não foram realizadas, e no entanto reservava o ensino aos eclesiásticos ou excepcionalmente a leigos, desde que vestidos de hábito eclesiástico. Dos seus 205 artigos, 75 se referiam aos deveres religiosos dos mestres e dos alunos. No Estado pontifício, a Constitutio de recta ordinatione studio­rum, de 1824, se preocupava em suprimir as poucas escolas de ensino mútuo ali instituídas por particulares; e, em Florença, proibiram-se as escolas para meninas, iniciadas por Fontanesi e por Capponi. (p. 277)

Esta disputa atinge todos os níveis da instrução, das escolas infantis, que exatamente nesse período começam a difundir-se, às escolas elementares, para as quais se discute o novo método do ensino mútuo, às escolas secundárias, que já vêm se articulando em humarusticas e científico-técnicas, às universidades, com suas novas faculdades correspondentes às transformações das forças produtivas. Esta disputa talvez tenha na questão do "método" a ser usado nos primeiros níveis de instrução a sua expressão mais característica: podemos afirmar que, após a primeira grande idade da didática, aberta pela invenção da imprensa e pelas iniciativas dos reformados, com a grande figura de Comenius, esta nova idade da difusão da instrução às classes populares, do nascimento da escola infantil, da difusão dos livros de texto, das novas escolas para a formação dos professores, assinala um macroscópico retomo à pesquisa didática. (p. 279)

Aporti não elabora grandes teorias, mas, seguindo a linha das experiências owenianas, trabalha com afinco a fim de que a primeira idade seja não somente protegida, mas também educada e instruída. Organiza, portanto, além do ensino religioso, com orações, salmos, hinos sagrados escritos por ele mesmo e práticas sacramentais, também atividades espontâneas ao ar livre e trabalhos manuais. E, especialmente a partir do último ano, introduz os primeiros rudimentos da preparação formal do ler, escrever e fazer contas, usando o método indutivo ou demonstrativo, a nomenclatura sistemática e o cálculo mental sobre objetos concretos.
"Os mestres - ele escreve - sejam ao mesmo tempo educadores e instrutores das crianças" (206). (p. 281)

Seria interessante acompanhar, na segunda metade do Oitocentos, todo o sistema de instrução, da elementar à superior, já estatal em quase toda parte da Europa, e as iniciativas cada vez mais numerosas (privadas, no início, e paulatinamente estatizadas) no campo da instrução técnica e profissional (agrícola, artesanal e industrial moderna). Aqui nos limi taremos a ilustrar, como exemplo, a constituição de um orgânico sistema de instrução estatal na Itália, projetado no Reino da Sardenha durante a chamada segunda guerra de independência, na perspectiva de estendê-lo a todos os territórios da Itália setentrional, que se pretendia anexar ao reino sabáudo, subtraindo-os aos domínios dos Habsburgos e pontifícios. Logo a nova lei, que tem o nome do ministro Casati, foi aprovada pelo rei Vitório Emanuel 11, a 13 de novembro de 1859, sem consulta parlamentar por causa do estado de guerra, e tornou-se o texto fundamental da instrução em todo o reino da Itália. (p. 290)

Também a instrução primária articula-se em dois graus, de dois anos cada, e os alunos podem ter acesso a ela completados os seis anos de idade. Ela é gratuita e em cada município ou consórcio de municípios, pelo menos para o grau inferior, não se poderão ter classes com mais de setenta alunos (011 regime napoleônico, em 1812, eram de oitenta a cem); superado esse número, a classe inferior será entregue a um sub-mestre. As escolas de uma só classe poderão ter até cem alunos. As escolas são masculinas e femininas, separadamente.
Essa lei institui também (ar/. 357) nove escolas normais masculinas e nove femininas, para a formação dos plOfessores e das professoras. Esta era uma instituição "que estava nascendo" no Reino Sardo (já a encontramos nas "escolas cristãs e na Áustria de Maria Teresa) e a lei se propunha a estendê-Ia também às novas províncias lombardas. (p. 291)

Analisando rapidamente essa lei, deduz-se, entre outras coisas, que os docentes em todos os níveis, foram de certo modo beneficiados, mas os alunos continuavam a aparecer somente como objeto passivo das sanções disciplinares. Todavia, há uma crescente mitigação das punições; já
"da série dos castigos devem ser banidas não somente as punições corporais, que ficam absolutamente proibidas, mas também qualquer repressão muito dura que possa aviltar os adolescentes e prejudicar-Ihes o sentimento de dignidade pessoal" (p. 18). (291-292)

"45. Todo o regime das escolas públicas, em que se educa a juventude de qualquer Estado cristão (excetuando somente, por determinados motivos, os Seminários Episcopais) pode e deve ser confiado à autoridade civil, de tal forma que não se reconheça nenhum direito de qualquer outra autoridade de ingerir-se na disciplina das escolas, no regulamento dos estudos, na colação de graus, na escolha e na aprovação dos professores. (p. 293)

Esta dupla discriminação, autoritária e conservadora ou democrática e progressista, não se apresenta de modo igual nos vários países, mas ainda perdura, embora com tendências novas em alguns países. É claro que, além da inviolável exigência de um específico compromisso para cada um, é difícil não sentir aqui o eterno risco de confundir natureza individual e determinações históricas da divisão do trabalho. Vimos que a confusão místico-idealista das premissas teóricas, das quais aparentemente foram deduzidas as opções pedagógicas e didáticas, não impediu que Froebel contribuísse significativamente para o progresso da ciência da prática pedagógica. O tempestuoso acontecimento da supressão de suas escolas por parte do governo prussiano, por causa de idéias socialistas não suas, mas de seu sobrinho, talvez tenha contribuído para fazer esquecer seu supérfluo espiritualismo. Quando, em 1860, oito anos após a morte de Froebel, suas escolas foram reabertas, sua discípula, a baronesa Berta von Marenholtz Bülow, iniciou uma ativa obra de difusão de suas idéias e de multiplicação dos Kindergarten em todos os países. Na Itália, encontrou seguidores entre as mulheres, especialmente estrangeiras e hebréias, às quais o novo Estado liberal e o progresso geral permitiam finalmente aparecer em primeira pessoa no cenário da iniciativa social, embora só no âmbito da educação da primeira infância. (p. 300)

MANACORDA, Macio Alighiero. A educação no oitocentos. In: ______. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1996. p. 269-310.

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