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domingo, 8 de setembro de 2013

A EDUCAÇÃO NO TREZENTOS E NO QUATROCENTOS


http://www.ricardocosta.com/artigo/educacao-na-idade-media-busca-da-sabedoria-como-caminho-para-felicidade-al-farabi-e-ramon

Vimos a escola e a instrução entre o papado e o império, lembrando as escolas paroquiais, episcopais e cenobiais e as universidades; encontramos também os primeiros mestres livres, aos quais, aliás, se deve em grande parte remontar a origem das universidades, mesmo com sua subordinação ao antigo e novo direito eclesiástico e imperial.

A atividade destes mestres livres, porém, deve ser estudada mais de perto e explicada mais estreitamente em relação ao surgimento de uma nova sociedade de mercadores e artesãos, que têm como centros de vida as cidades organizadas em comunas e como expressão cultural mais característica e visivelmente nova as literaturas em vulgar. O nascimento destas literaturas é o sinal do nascimento do mundo moderno. E embora elas continuem. a reproduzir conteúdos e formas da velha literatura em latim, são introduzidos novos conteúdos e formas, nos quais se refletem as necessidades e os interesses das novas classes emergentes. Os protagonistas destas novas literaturas, da nova cultura e dos novos modos de instrução não são mais os antigos clérigos, homens do clero regular ou secular, mas os novos "clérigos", por força dos quais esta mesma palavra que os define perde o seu velho significado de homem de igreja e assume o de intelectual. (p. 168)

Os mestres livres são os protagonistas da nova escola do terceiro estado: com eles tanto o conteúdo do ensino como o que podemos chamar de sua situação jurídica e social vão mudando. (p. 169)

Nos fins de 1200, Bonvesin de Riva, ilustrando as várias profissões existentes em Milão, cuja população ele calculava em cerca de 200 mil habitantes, nos dá estes dados sobre a instrução:
"2.3. Os professores de gramática são 8 e ensinam cada um a uma quantidade de alunos, explicando a gramática com muito esforço e diligência; não sabemos, porém, quantos são os professores que vêm de outras cidades.
2.5. Os mestres elementares, que ensinam a ler e a escrever, são mais de 70.
2.6. Os copistas, apesar de não haver na cidade um estudo geral, superam o número de 40. Eles passam o dia copiando livros, ganhando dessa forma a vida" (Mag. Med. 86). (p. 172)

Esta escola é livre nas grandes cidades e administrada pela comuna nas pequenas cidades, onde o número limitado de alunos permitiria ao mestre viver com as cotas por eles pagas. (p. 172-173)

Em Lucca, em 1348, depois da histórica peste, o doctor puerorum Filippo resolve pedir à comuna um ordenado, porque
"devido à pobreza dos cidadãos e ao número exíguo de meninos, não lhe era possível viver e. comprar os alimentos necessários". (p. 173)

Estes. mestres - como vimos - tinham quase sempre um monitor ou repetidor (com o antigo nome latino: proscholus), que morava na casa deles para ensinar aos meninos, como se lê num contrato veneziano de 1313. Por exemplo, o tabelião e poeta Lapo Gianni, em 1299, lavrava um contrato entre mestre e repetidor. Isso leva a supor uma escola orga­nizada numa forma mais complexa do que aquela de um mestre isolado que dá aula simultaneamente a vários alunos de várias idades e de nível cultural diferente, ou que atende ora a um grupo ora a outro, enquanto os demais ficam à toa fazendo barulho. (p. 173)

No início, à parte os mestres elem~ntares (doctores puerorum), o ensino dos mestres era ocasional e ligado à profissão, isto é, um treinamento como aquele do tabelião genovês de 1221. Em seguida, paulatinamente, invadiram o campo tradicionalmente reservado aos clérigos e alguns desses mestres, homens de grande talento, tornara~-se merecida­mente famosos: lembre-se Convenevole de Prato, mestre de Petrarca entre 1315 e 1319, e Rinaldo di Villafranca, falecido em 1364, qqe Pe­trarca convidara a transferir-se para Nápoles, onde encontraria mais alunos e maior fama, a quem dedicara uma epístola latina e. para quem enviara seu filho Giovanni, para estudar. O seu proscholus, Moggio de' Moggi, descreve-o, alegre e venerando, a alternar com seus alunos passeios ao ar livre, gracejos e brincadeiras com disputas cultas e leituras dos poetas antigos. Um precursor dos grandes pedagogos do humanismo. Aliás, mais de um humanista, como Poggio Bracciolini, começou assim sua carreira (p. 173)

Mudam ta~bém as formas de gestão da atividade escolar e da associação dos mestres. Nas grandes cidades - Florença, Gênova, Milão ­estes mestres formam uma verdadeira corporação ou arte, idêntica às outras corporações de artes e oficios e sem ligação com os collegia doctorun ou as universitates dos Studia generales [...]. (p. 173-174)

Mestres autônomos, mestres com pascholus, mestres associados em “cooperativas”, mestres capitalistas que assalariam outros mestres, mestres pagos por corporações, mestres pagos pelas comunas: esta variedade de relações jurídicas, estamos perante a escola de uma sociedade mercantil que, quase totalmente livre da ingerência da Igreja e do império, vende sua ciência, renova-a e revoluciona os métodos de ensino. (p. 174)

Outra forma típica na época posterior, embora minoritária, será o preceptor de casa, o instrutor privado das famílias dos grandes ricos e dos senhores. Contra a concorrência destes os mestres públicos se protegem proibindo-lhes, como no estatuto do Colégio dos Mestres de Gênova, que instruam mais de dez alunos de cada vez. (p. 174)

MANACORDA, Macio Alighiero. A educação no trezentos e no quatrocentos. In: ______. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1996. p. 168-192.

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