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domingo, 26 de maio de 2013

O ENSINO SUPERIOR: III. A FILOSOFIA


http://historianono.blogspot.com.br/2009/03/grecia-antiga.html

Antes de analisarmos as condições de vida e trabalho dos professores de filosofia é-nos importante compreender como estes se caracterizam, como a sociedade os vê e como querem ser vistos, pois

[...] a filosofia helenística não é apenas uma modalidade determinada de formação intelectual, mas também um ideal de vida, que pretende plasmar o homem por inteiro; tornar-se filósofo é adotar um modo de vida novo, mais severo do ponto de vista moral, envolvendo certo esforço ascético, o qual se manifesta, de maneira concreta, no comportamento, na alimentação e no vestuário: reconhece-se o filósofo por sua túnica curta, grosseira e escura [...]. Entre os cínicos, esta vontade de destoar é levada até o paradoxo e o escândalo: hirsutos, maltrapilhos e sujos, vivem eles de esmolas, como os mendigos, e afetam viver à margem da sociedade culta. Mas isto representa, apenas, uma forma e extrenusmo: de todos a filosofia reclama, efetivamente, um ideal de vida, que está em oposição com a cultura comum e supõe uma vocação profunda, direi até uma conversão. (p. 323)

Essa forma de encarar a filosofia como um estilo de vida faz com que o filósofo queira mais do que alunos, queira discípulos: “Daí o papel que desempenha, no ensino dos mestres de filosofia, o 'discurso exortativo' [...], lição inaugural que visa a recrutar discípulos, atrair a juventude para a vida filosófica” [...]. (p. 324)

            Como se dá o ensino de filosofia? “Existia, realmente, um ensino da filosofia, mais ou menos organizado.” (p. 324) Há três formas: o em escolas compostas por filósofos que foram discípulos de um determinado mestre:

[...] inicialmente, o ensino, até certo ponto oficial, que se ministrava no seio das escolas propriamente ditas, de cada uma das seitas, organizadas na forma de confrarias fundadas por mestres cujo ensínamento se perpetuava de geração em geração, transmitido por um chefe de escola [...] regularmente investido, no cargo, por seu predecessor: assim Platão havia escolhido se sobrinho Espeusipo, o qual escolhera Xenócrates, que por sua vez escolheu Pólemon, a quem sucedeu Crates ... Da mesma maneira, Aristóteles transmitiu a direção do Liceu a Teofrasto, preterindo Aristóxeno, para grande indignação deste. (p. 324-325)
                              
            A segunda forma é a de uma escola ligada a um mestre isolado
           
ensinando por sua própria conta nas cidades em que residem: assim Epitecto, também expulso de Roma por Domiciano, instala-se em Nicópolis, no Épiro, abre uma escola e não tarda a atrair e a reter ali discípulos. À imitação de Atenas, outras cidades também conseguem estabilizar o ensino filosófico escolar: encontramo-lo em Alexandria, descobrimo-Io ainda em Constantinopla, senão em Roma; mas isto se dá no fim do século III ou no século IV d. C.. (p. 325)

            O terceiro modelo é o dos filósofos que trabalham de cidade em cidade por onde passam sem um espaço institucional específico, constituindo-se em
[...] filósofos errantes, conferencistas populares, ou melhor dizendo, predicadores, que, ao ar livre, no canto de uma praça pública ou num largo, se dirigem ao auditório que o acaso e a curiosidade reúnem ao seu redor, o interpelam, improvisam com ele um diálogo familiar (do qual nascerá o célebre gênero da diatribe) [...]. Menciono este terceiro aspecto do ensino somente para constar: pois não cabe considerar esses predicantes, geralmente menosprezados, mal vistos e, amiúde, em dificuldades com a polícia, como professores de ensino superior. Terão eles contribuído para despertar vocações; mas, salvo exceções, não promoverão ensino regular e completo de filosofia. (p. 325)
                       
            Como pode ser visto na citação a cima as condições sociais desses últimos não é das melhores.

            A ligação entre o filósofo e seus discípulos, em virtude da filosofia representar um estilo de vida, não é profissional como a do retórico com os seus discípulos

[...] o ensino tinha um segundo aspecto, mais pessoal e mais vivo: o professor também falava diretamente, em seu próprio nome, e comunicava a seus discípulos o sumo de seu próprio pensamento e de sua sabedoria. [...] Enfim, e, talvez, sobretudo, havia as conversações pessoais, entre o mestre e o discípulo, a dois - ou na presença de um terceiro companheiro e amigo: ressaltei, amiúde, o caráter pessoal da educação antiga; aqui ele se se manifesta com particular nitidez. Exigia-se do filósofo que fosse não apenas um professor, mas também, e sobretudo, um mestre, um guia espiritual, um verdadeiro mentor de consciência; a essência de seu ensino não era prodigalizada do alto da cátedra, mas no seio da vida em comum, que o uma a seus discípulos: mais que sua palavra importava seu exemplo, o espetáculo edificante de sua sabedoria prática e de suas virtudes. Daí o elo, freqüentemente apaixonado, que liga o aluno ao mestre e ao qual este corresponde por uma afeição terna: foi nos círculos filosóficos que melhor sobreviveu a grande tradição arcaica do eros educativo, fonte de virtude. (p. 327-328)

Por ocasião de tais movimentos notam-se agrupamentos de estudantes, formados em torno dos mestres (cada um destes tem seu "côro" de discípulos fiéis, senão fanáticos) ou segundo seus países de origem: algo de análogo às "nações" das universídades da Idade Média ocidental. (p. 338)
           
O ensino se dá em algumas cidades, já que

Na época propriamente helenistica, não há universidades propriamente ditas (somente a partir do século IV da nossa era podemos sem incorrer em grande anacronismo, começar a usar esta palavra), mas há cidades onde inúmeros e reputados mestres atraem mais numerosa clientela de estudantes. (p. 333)

Só mais tarde é que o Estado Romano irá patrocinar estudos superiores, dentre os quais o de filosofia:

Veremos, por outro lado, que o Estado exerce, sobre o recrutamento e a organização do corpo docente, uma influência bastante direta: o Estado do Baixo Império é um Estado tentacular, que avança bem longe na via do totalitarismo; mas estamos, já, num contexto de civilização bem diverso, que nada mais tem em comum com o da época propriamente helenística. (p. 338)

MARROU, Henri-Irinée. O ensino superior: a filosofia. In: ___. História da educação na antigüidade. São Paulo: EPU, 1975. p. 323-338.

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