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Durante a República, Roma
não teve, para falar com propriedade, política escolar; um grego como Polibio,
habituado a ver as cidades helenísticas interessar-se de perto pelos problemas
da educação, espanta-se com esta "negligência": o Estado romano
abandona a educação à iníciativa e à atividade privadas. Eis aí uma das facetas
que mostram o arcaísmo das instituições romanas, confrontadas com as do mundo
helenístico. Sob o Império, Roma de certo modo livra-se do atraso e tende a
conformar-se às normas em vigor no mundo grego. (p. 457)
A política escolar.
Com respeito às escolas,
o Império romano foi levado a praticar urna política ativa de intervenção e de
patronato. À diferença daquilo que nos mostraram as cidades helenísticas,
jamais houve, em Roma, magistratura especial encarregada da supervisão ou da
inspeção dos estabelecimentos de ensino. Pelo contrário, como as cidades
gregas, o Estado romano concede ao corpo docente favores de ordem fiscal e
assume, ele próprio, pelo menos em certos casos, a responsabilidade de sua
remuneração. A Vespasiano cabe a honra de haver iniciado esta dupla política.
(p. 460)
Isenções
tributárias.
As medidas tomadas
por César ou por Augusto em benefício dos professôres referiam-se apenas aos
estrangéiros e atestam, por conseguinte, antes de tudo, o esfôrço que Roma
envidou para atrair a si os mestres gregos. Com Vespasiano aparece uma
verdadeira política de imunidade fiscal: todos os professôres do ensino
secundário e superior beneficiam-se doravante das isenções dos encargos
municipais (munera) que Augusto havia concedido até então unicamente aos
médicos. Trata-se, primeiramente, só da "hospitalidade", do
alojamento de tropas em quartel, mas os sucessivos imperadores que, a partir de
Adriano, concederam e confirmaram êstes privilégios, estenderam-nos
progressivamente, a partir de Antonino e de Cômodo, a outros encargos: tutela,
em seguida ginasiarquia, agoranomia, sacerdócio, etc. A mesma política é
reafirmada, com alguns matizes, pelos Severos, Gordiano, Diocleciano,
Constantino, Valentiniano, Teodósio II, e definitivamente ratificada pelo
Código Justiniano. É verdade que, entrementes, esta política muito havia
perdido de seu alcance, porquanto as imunidades assim concedidas aos
professores, estes as compartiam, desde Caracala, com seus estudantes, e, desde
Constantino, com um grande número de ofícios, considerados como igualmente úteis
ao bem público. (p. 461)
Assim
vemos os mesmos imperadores empenharem-se em limitar o número dos beneficiários
destas isenções: excluem delas os simples mestres primários, os professores do
ensino técnico, os professores de direito fora de Roma e, às vezes, até os
filósofos. Preocupado sem dúvida, com o número crescente de pessoas ilustres
que tratavam de escapar aos munem fazendo-se reconhecer, talvez em caráter
honorário, o título de professor, Antonino fixou uma cifra máxima, que as
municipalidades aliás tinham ainda liberdade de reduzir; texto interessante,
que nos dá uma idéia do que podia ser o efetivo do pessoal ensinante na Grécia
da Ásia no século II (a decisão. de Antonino, estendida depois a todo o
Império, foi dirigida ao koinon da Ásia): o imperador distingue três
categorias de importância crescente, que o jurisconsulto Modestino identifica
com as metrópoles de provincias, as sedes de uma alçada judiciária e enfim as
cidades ordinárias; segundo a categoria, admitem-se aí dez, sete ou cinco
médicos, cinco, quatro ou três retóricos, e o mesmo número de gramáticos. (p.
462)
Cátedras de
estudo.
A política assim
inaugurada em Roma por Vespasiano foi retomada em Atenas por Marco Aurélio, que
dotou semelhantemente, a expensas do tesouro imperial, uma cadeira de retórica
e quatro cadeiras de filosofia, à razão de uma para cada uma das quatro grandes
seitas (platônica, aristotélica, epicurista e estóica). A escolha dos primeiros
titulares foi confiada a Herodes Ático, um dos antigos preceptores do
imperador, e a dos seus sucessores a uma comissão de notáveis. Os filósofos
recebiam, anualmente, sessenta mil sestércios, o retórico quarenta mil: esta
cátedra, por conseguinte, era muito menos cotada que a de Roma, e Filagros, por
exemplo, trocá-la-á por esta; no Baixo Império, ao contrário, a glória da
escola de Atenas resplandecerá e veremos pelo contrário Proherésio
transferir-se de Roma para Atenas: é este um símbolo bastante claro da recessão
do grego no Ocidente. (p. 463)
O imperador como evergeta.
Do mesmo modo, se
o imperador dota cadeiras professorais, é ainda como evérgeta, em sua boa
cidade de Roma, nesta Atenas que é, para todo letrado, uma segunda pátria.
Suetônio relaciona a fundação das primeiras cadeiras estatais ao conjunto das
iniciativas que mostram em Vespasiano um mecenas, um esclarecido protetor das
letras e das artes. Do mesmo modo, Adriano aparece-nos menos como um soberano
preocupado com a reforma do ensino que como um mecenas, outorgando pensões a
retóricas célebres, favores e facilidades legais à confraria epicuréia de
Atenas.
Como
aconteceu com as instituições alimentares, estas fundações de cátedras
encontraram imitadores entre os evérgetas privados. Plínio o Jovem, entre
muitas outras iniciativas em benefício de sua cara pátria de Como, toma a de
agrupar os pais cujos filhos até então deviam ir a Milão para fazer seus
estudos (superiores e talvez mesmo secundários), a fim de que mandassem vir, a
preços módicos, os mestres necessários. Ele mesmo arcará com o têrço da despesa:
poderia tê-Ia assumido inteiramente, mas do outro modo os pais sentir-se-ão
mais diretamente interessados no sucesso do empreendimento e ele evitará
parecer agir com o fim de assegurar-se o reconhecimento dos seus concidadãos,
"o que acontece, no-lo diz, nos numerosos lugares em que professores são
assim contratados em nome da cidade". (p. 465)
Escolas
municipais.
Há mais,
entretanto: faz-se mister analisar os têrmos de que Plínio se serve: multis
in locis . . . preceptores publice conducuntur. Havia, pois, em seu
tempo, "muitas cidades que mantinham escolas públicas": muitos outros
testemunhos confirmam a existência de gramáticos ou de retóricos titulares de
tais cátedras municipais - embora nem sempre seja possível determinar o modo de
financiamento destas cátedras: orçamento ordinário ou fundação privada. (p.
466)
Esta
evolução parece haver chegado ao seu têrmo no Império cristão: no século IV
encontramos por tôda parte algumas dessas escolas, schola publica ou
municipalis, [...] mantidas, mais ou menos regularmente aliás, pelo orçamento
municipal, salario publico. Elas nos são referidas, na Gália, por
Ausônio, em Lyon, Besançon e, parece, Toulouse; por Santo Agostinho em Cartago
e Milão; no Oriente, por Libânio, em Constantinopla, Nicomédia e Nicéia, assim
como em Antioquia. Pode-se admitir que em tal época toda cidade, por pouco
importante que seja, tomou a seu cargo a manutenção de um ou vários
professores. (p. 466-467)
Persistência do ensino privado.
Mas nem todo o
ensino se tornou público: haverá sempre, de fato e de direito, um ensino
privado, mesmo nas cidades como Roma, Atenas ou Constantinopla, onde existem
cadeiras oficiais: ensino baseado na livre concorrência - concorrência, aliás,
muito encarniçada que contribui para manter os professores, mesmo célebres, em
condição econômica bastante precária. Possuímos curiosos testemunhos sobre os
pitorescos métodos a que recorriam, em Atenas, os professores do século IV para
recrutarem audientes: mostram-nos os discípulos de um mestre trancafiarem num
quarto os "calouros" (p. 467)
Processo de nomeação.
Quanto
aos professores do ensino público, são nomeados, e portanto (Gordiano tirará
esta conseqüência) exoneráveis, pelo conselho municipal, o ordo da cidade. A
lei, sem dúvida desde Marco Aurélio, prescrevia um largo apêlo à concorrência,
uma espécie de concurso; sob a forma definitiva que Juliano, o Apóstata, lhe
deu em 362, os candidatos devem submeter uma mostra de seus talentos (probatio)
ao julgamento de um público de notáveis, optimorum conspirante consensu.
(p. 467-468)
Uma
cátedra tão cobiçada como a de Atenas dava margem a viva competição: o
provimento não se efetuava sem intrigas, cabalas, agitações, em que,
evidentemente, os estudantes desempenhavam papel de primeiro plano; outras
sentiam maior dificuldade em encontrar candidatos: vemos a municipalidade de
Milão escrever para Roma, ao prefeito da cidade, o orador Símaco, pedindo-Ihe
um professor de retórica: Santo Agostinho, então professor privado,
apresentou-se a ele, submeteu-lhe um discurso de sua lavra, e fêz-se assim
propor aos milaneses. (p. 468)
Intervenção do
poder imperial.
Talvez, desde o
tempo de Antonino, os imperadores tenham intervindo com o objetivo de encorajar
as municipalidades a abrirem escolas, para fixar a taxa dos vencimentos do
magistério, mas sobre isto temos apenas o testemunho, sempre suspeito de
anacronismo, dos autores da Historia Augusta, e talvez se possa aqui presumir
que hajam antedatado um costume corrente em seu tempo. (p. 468)
As
nomeações já não são mais deixadas à iniciativa únicamente das municipalidades:
em Atenas, vemos com muita freqüência o procônsul, representando o imperador
intervir para decidir sobre uma eleição contestada, recompor o corpo docente,
sugerir uma nomeação. O próprio soberano acompanha de bem perto estas questões
de pessoal para tomar iniciativas: assim, em 297 Constâncio Cloro envia a
Autun, para restaurar-lhe as escolas, um alto funcionário de sua corte de
Trêves, o sofista Proherésio, antes de permitir-lhe voltar, coberto de honras,
a Atenas. Constâncio II designa, pessoalmente, para serem escolhidos pelo
Senado da Nova Roma, vários professores de eloqüência ou de filosofia, entre os
quais o retórico Libânio e o filósofo Temístio; Libânio só trocará
Constantinopla por Antioquia com sua permissão. (p. 469)
Esta intervenção acaba,
com Juliano, por tornar-se a regra geral: ele decide que ninguém poderá ensinar
senão depois de haver sido aprovado por um decreto baixado pelo conselho
municipal e devidamente ratificado pela autoridade do imperador: este assumia
assim o direito de supervisionar o ensino em todo o Império. (p. 469)
No interior da
esfera da competência municipal, o imperador intervém ainda para avocar as
cidades aos seus deveres: uma lei de Graciano, em 376, provàvelmente inspirada
por Ausônio, prescreve a todas as grandes cidades a obrigação de escolher os
melhores retóricos e gramáticos para a instrução de sua juventude; o imperador
não quer tirar-lhes o direito de eleger seus "nobres professores",
mas estabelece o montante dos seus vencimentos; serão concedidas, sobre o
orçamento municipal, vinte e quatro anonas aos retores e doze aos gramáticos,
latinos ou gregos; em Treves, a capital, são estas cifras elevadas a trinta e a
vinte (para o gramático latino; seu confrade grego, se se puder encontrar um
capaz de preencher-lhe as funções, contentar-se-á com doze anonas). (p.
469-470)
A Universidade de
Constantinopla.
Esta política de
intervenção ativa encontra seu têrmo de maturação na constituição de 27 de
fevereiro de 425, pela qual Teodósio II organiza em Constantinopla uma
Universidade estatal, que, na capital, verdadeiramente monopoliza o ensino
superior (só o preceptorado privado permanece livre). Seus professores são
proibidos de dar aulas particulares; darão seus cursos nas salas dispostas em
êxedra, na face norte da praça do Capitólio. O corpo docente compreende: para o
ensino das letras latinas, três retóricos e dez gramáticos, para as letras
gregas, cinco retóricos e dez gramáticos; enfim, para os altos estudos, um
professor de filosofia e dois de direito.
Os fragmentos
desta constituição inseridos nos Códigos não nos informam sobre a situação
material dêste pessoal; que se tenha querido homenageá-Io, atesta-o a decisão
tomada em 15 de março do mesmo ano de 425, conferindo honoràriamente o título
de comes primi ordinis aos professores que tivessem completado vinte
anos de serviços durante os quais houvessem satisfeito plenamente. (p. 470)
Honras conferidas aos
professores.
Esse gesto não era
nem novo, nem insólito: os imperadores foram pródigos em conferir horas, muitas
vezes elevadas, aos membros do corpo docente. Nisto ainda cabe aos flávios o
mérito da iniciativa: Domiciano conferiu pela primeira vez os ornamentos
consulares a um retórico na pessoa de Quintiliano. (p. 470-471)
É verdade que o
fêz sobretudo para recompensá-Io por haver educado seus sobrinhos e filhos
adotivos. O preceptorado imperial, mais que os préstimos universitários explica
também o consulado com que foram contemplados no século II Frontão e Herodes
Atico, e no IV as honras conferidas a dois retóricos toulousanos, preceptores
de um filho ou de dois sobrinhos de Constantino; sem mencionar o caso bem
conhecido de Ausônio: chamado de Bordéus para Trêves por Valentiniano, recebeu
de seu aluno, o jovem imperador Graciano, as mais altas distinções: o
consulado, a prefeitura do pretório das Gálias, além das que obteve para seu
pai, seu filho e seu genro: houve um momento, nos anos 378-380, em que o
Ocidente inteiro era administrado pela familia do retor aquitano. Mas a fortuna
política de Temístio repousa imicamente na reputação do seu ensino público: foi
nomeado por Constâncio II senador, depois arconte-procônsul de Constantinopla,
muito antes de Valente ter pensado em confiar-lhe, como o fará também, mais
tarde, Teodósio, a educação de um príncipe imperial. (471)
As escolas e o recrutamento dos
funcionários
Este zelo, porém,
não é apenas desinteressado. O Estado do Baixo Império repousa sobre dupla
base; ao lado do exército, há a administração civil, cujo desenvolvimento
tentacular multiplicou os serviços e os escritórios. Depois de Diocleciano, o
Estado romano tornou-se uma monarquia burocrática: exuma o tipo de govêrno que
havia sido o das velhas monarquias orientais, um govêrno de escribas. (p. 474)
Não
eram vãs promessas ou ilusórias esperanças: a praxe do govêrno imperial
mostra-nos que, salvo exceções, os postos elevados da administração são
normalmente reservados aos antigos alunos do ensino superior. (p. 475)
O ensino de
estenografia.
Já
vemos o imperador Tito capaz de rivalizar em rapidez com seus próprios
secretários. Em 155, um papiro de Oxirrinco mostra-nos um jovem escravo
confiado por seu mestre a um professor de estenografia, [...]: este é
contratado por um preço de empreitada (pagável em três prestações escalonadas)
para ensinar-lhe sua arte em dois anos. (p. 477)
Uma
técnica tão requisitada era objeto de grande interesse por parte dos pais
preocupados em dar a seus filhos um ofício lucrativo. Mesmo num recanto obscuro
do Alto Egito, basta um mestre abrir uma escola na qual promete ensinar não
apenas as letras, mas também a estenografia, para aparecer-lhe clientela.
Libânio, sensível a tôda concorrência, sugere mesmo que os pais acabavam por
dar mais importância a esta arte que ao estudo das letras clássicas. (p. 478)
Por este último
aspecto, a educação do Baixo Império assume afinal sua fisionomia
característica: laborava eu em erro ao sugerir, no limiar desta história, que a
educação antiga evoluiria no sentido de uma cultura de escribas? (p. 478)
MARROU,
Henri-Irinée. O Estado romano e a educação. In: ___. História da educação na
antigüidade. São Paulo: EPU, 1975. p. 457-478.