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Antes de
analisarmos as condições de vida e trabalho dos professores de filosofia é-nos
importante compreender como estes se caracterizam, como a sociedade os vê e
como querem ser vistos, pois
[...] a filosofia helenística não é
apenas uma modalidade determinada de formação intelectual, mas também um ideal
de vida, que pretende plasmar o homem por inteiro; tornar-se filósofo é adotar
um modo de vida novo, mais severo do ponto de vista moral, envolvendo certo
esforço ascético, o qual se manifesta, de maneira concreta, no comportamento,
na alimentação e no vestuário: reconhece-se o filósofo por sua túnica curta,
grosseira e escura [...]. Entre os cínicos, esta vontade de destoar é levada
até o paradoxo e o escândalo: hirsutos, maltrapilhos e sujos, vivem eles de
esmolas, como os mendigos, e afetam viver à margem da sociedade culta. Mas isto
representa, apenas, uma forma e extrenusmo: de todos a filosofia reclama,
efetivamente, um ideal de vida, que está em oposição com a cultura comum e
supõe uma vocação profunda, direi até uma conversão. (p. 323)
Essa forma de
encarar a filosofia como um estilo de vida faz com que o filósofo queira mais
do que alunos, queira discípulos: “Daí o papel que desempenha, no ensino dos
mestres de filosofia, o 'discurso exortativo' [...], lição inaugural que visa a
recrutar discípulos, atrair a juventude para a vida filosófica” [...]. (p. 324)
Como se dá o ensino de
filosofia? “Existia, realmente, um ensino da filosofia, mais ou menos
organizado.” (p. 324) Há três formas: o em escolas compostas por filósofos que
foram discípulos de um determinado mestre:
[...] inicialmente, o ensino, até certo ponto oficial,
que se ministrava no seio das escolas propriamente ditas, de cada uma
das seitas, organizadas na forma de confrarias fundadas por mestres cujo
ensínamento se perpetuava de geração em geração, transmitido por um chefe de
escola [...] regularmente investido, no cargo, por seu predecessor: assim
Platão havia escolhido se sobrinho Espeusipo, o qual escolhera Xenócrates, que
por sua vez escolheu Pólemon, a quem sucedeu Crates ... Da mesma maneira,
Aristóteles transmitiu a direção do Liceu a Teofrasto, preterindo Aristóxeno,
para grande indignação deste. (p. 324-325)
A segunda forma é a de uma escola
ligada a um mestre isolado
ensinando por sua própria conta nas cidades em que
residem: assim Epitecto, também expulso de Roma por Domiciano, instala-se em
Nicópolis, no Épiro, abre uma escola e não tarda a atrair e a reter ali discípulos.
À imitação de Atenas, outras cidades também conseguem estabilizar o ensino
filosófico escolar: encontramo-lo em Alexandria, descobrimo-Io ainda em
Constantinopla, senão em Roma; mas isto se dá no fim do século III ou no século
IV d. C.. (p. 325)
O terceiro modelo é o dos filósofos
que trabalham de cidade em cidade por onde passam sem um espaço institucional
específico, constituindo-se em
[...] filósofos errantes, conferencistas populares, ou
melhor dizendo, predicadores, que, ao ar livre, no canto de uma praça pública
ou num largo, se dirigem ao auditório que o acaso e a curiosidade reúnem ao seu
redor, o interpelam, improvisam com ele um diálogo familiar (do qual nascerá o
célebre gênero da diatribe) [...]. Menciono este terceiro aspecto do ensino
somente para constar: pois não cabe considerar esses predicantes, geralmente
menosprezados, mal vistos e, amiúde, em dificuldades com a polícia, como
professores de ensino superior. Terão eles contribuído para despertar vocações;
mas, salvo exceções, não promoverão ensino regular e completo de filosofia. (p.
325)
Como pode ser visto na citação a
cima as condições sociais desses últimos não é das melhores.
A ligação entre o filósofo e seus
discípulos, em virtude da filosofia representar um estilo de vida, não é
profissional como a do retórico com os seus discípulos
[...] o ensino tinha um segundo aspecto, mais pessoal
e mais vivo: o professor também falava diretamente, em seu próprio nome, e
comunicava a seus discípulos o sumo de seu próprio pensamento e de sua
sabedoria. [...] Enfim, e, talvez, sobretudo, havia as conversações pessoais,
entre o mestre e o discípulo, a dois - ou na presença de um terceiro
companheiro e amigo: ressaltei, amiúde, o caráter pessoal da educação antiga;
aqui ele se se manifesta com particular nitidez. Exigia-se do filósofo que
fosse não apenas um professor, mas também, e sobretudo, um mestre, um guia
espiritual, um verdadeiro mentor de consciência; a essência de seu ensino não
era prodigalizada do alto da cátedra, mas no seio da vida em comum, que o uma a
seus discípulos: mais que sua palavra importava seu exemplo, o espetáculo
edificante de sua sabedoria prática e de suas virtudes. Daí o elo,
freqüentemente apaixonado, que liga o aluno ao mestre e ao qual este corresponde
por uma afeição terna: foi nos círculos filosóficos que melhor sobreviveu a
grande tradição arcaica do eros educativo, fonte de virtude. (p.
327-328)
Por ocasião de tais movimentos notam-se agrupamentos
de estudantes, formados em torno dos mestres (cada um destes tem seu
"côro" de discípulos fiéis, senão fanáticos) ou segundo seus países
de origem: algo de análogo às "nações" das universídades da Idade
Média ocidental. (p. 338)
O ensino se dá em algumas cidades,
já que
Na época propriamente helenistica, não há
universidades propriamente ditas (somente a partir do século IV da nossa era
podemos sem incorrer em grande anacronismo, começar a usar esta palavra), mas
há cidades onde inúmeros e reputados mestres atraem mais numerosa clientela de
estudantes. (p. 333)
Só mais tarde é que o Estado Romano irá
patrocinar estudos superiores, dentre os quais o de filosofia:
Veremos, por outro lado, que o Estado exerce, sobre o
recrutamento e a organização do corpo docente, uma influência bastante direta:
o Estado do Baixo Império é um Estado tentacular, que avança bem longe na via
do totalitarismo; mas estamos, já, num contexto de civilização bem diverso, que
nada mais tem em comum com o da época propriamente helenística. (p. 338)
MARROU,
Henri-Irinée. O ensino superior: a filosofia. In: ___. História da educação
na antigüidade. São Paulo: EPU, 1975. p. 323-338.